Comecei a escrever Protestante, uma religião em extinção? (São Paulo, Fonte Editorial, 2020) às oito horas e cinquenta minutos de segunda-feira, dia dois de outubro de dois mil e dezoito. É importante marcar o dia e a hora, mas também o lugar. Moro em Montpellier, uma cidade que eu amo, no sul da França. Estou ao computador, com o terraço de minha casa à frente. Lá fora venta e a temperatura desse outono que se inicia é de dezesseis graus, embora a sensação térmica seja de quatorze. Ainda não está frio, mas este mistral, que hoje deve chegar a trinta e sete quilômetros por hora, faz toda a diferença e baixa a sensação térmica. Bem, convém dizer que o clima é mediterrâneo, com verões bem secos e as deliciosas brisas marinhas.
Dá para notar que eu gosto da cidade. Montpellier está localizada na região de Languedoc-Roussillon, a dez quilômetros do Mar Mediterrâneo. Tem cerca de duzentos e cinquenta mil habitantes, é o oitavo município mais populoso da França. O que para mim é uma agradável cidade pequena para média em termos brasileiros.
E aqui estou eu conversando com você — velho, conforme disse Gramsci, porque nasci numa idade velha.
Bem, mas no correr deste livro, falo sobre o viver protestante e seu mandato cultural. São temas e questões que trabalhei durante anos, em aulas, palestras e, inclusive, textos que apareceram em artigos e livros. Agora retorno a eles em novo contexto. Afinal, Antônio Gouvêa Mendonça, estudioso referência do protestantismo brasileiro, e grande amigo já falecido, disse:
“O velho protestantismo está cada vez mais distanciado dos novos movimentos de lastro cristão. Não se pode mais ignorar as significativas diferenças que há entre eles, sob pena de cometer equívocos nos resultados das pesquisas. O pesquisador atual não pode furtar-se ao, às vezes, penoso labor de precisar classificações e conceitos. É preciso que distinga bem, ao estudar qualquer novo movimento religioso, o limite exato em que o velho protestantismo deixa de estar presente. Quando seus princípios básicos de liberdade – justificação pela fé, a sola scriptura, o livre exame e o sacerdócio universal dos crentes – não estiverem presentes ou se apresentarem, obscurecidos por outras práticas religiosas, não há mais protestantismo”.
E esta constatação de Mendonça nos levou ao título deste livro: Protestante … esta é uma religião em extinção? E no livro desejei pensar junto com o leitor se esta é uma realidade ou não.
Falo sobre o viver protestante e seu mandato cultural a partir da espiritualidade, que por extensão é religiosidade e conhecimento humano, pessoal, mas também universal, que traduz maneiras de busca do transcendente. A distância entre a fé e a cultura, nesta minha leitura hermenêutica, é pequena e possibilita a compreensão de que no ser humano não está presente apenas o físico e material. Os seres humanos criamos nossos próprios universos de significação. É nas culturas que vamos encontrar o ato e a forma de nossas expressões humanas como seres históricos. O primeiro momento desta reflexão filosófica, mas também teológica, sobre as culturas, seus encontros e desencontros, consiste em ver que, seja no ato de surgimento, seja na forma de atuação, a unidade dessas culturas só pode ser pensada em oposição ao fluxo do tempo e à dispersão da geografia onde as experiências se situaram.
Quando o fenômeno protestante brasileiro explodiu no Brasil, a partir dos anos 1950, a intelectualidade acadêmica encontrava-se desarmada para analisar e entender o que estava a acontecer. Isto porque suas bases situavam-se no século dezenove e nas primeiras décadas do século vinte. É verdade que os grandes processos da revolução protestante já tinham acontecido no mundo, a começar pela Reforma na Europa, com seus desdobramentos continentais nos Estados Unidos.
Conhecemos as dificuldades de Marx para entender o fenômeno religioso como fundante de contextos e novas relações dentro de determinada sociedade. Durkheim embora tenha caminhado no sentido de entender estruturalmente o fenômeno religioso, construindo conceitos e parâmetros a partir das religiões antigas, ditas primitivas, e não monoteístas, formatou leituras que até hoje são recitadas como compreensões definitivas sobre o fenômeno religioso, as estruturas dessas instituições e a relação entre lideres e fieis.
E sigo, bem na contramão do pensar tradicional a relação cultura e protestantismo, mas isso já é o livro, e aqui estou fazendo uma resenha. Sinta-se à vontade para ler Protestante … uma religião em extinção?