Os próximos passos de Lula

Com a vitória eleitoral e política do último dia 30 de outubro, as forças políticas que defenderam a democracia na última eleição avançam para os próximos passos, talvez tão difíceis, ou mais, de serem dados do que a própria maioria na votação. Com a desvantagem de que, daqui para adiante, o jogo será cada vez mais complicado e não parecerá simplesmente uma partida entre dois lados na qual o que vence comemora – será um jogo mais próximo do xadrez, de acumulação e apresentação de resultados, que poderá ajudar a construir um futuro de longo prazo no país, uma estruturação de um projeto futuro de nação. É uma construção dura, trabalhosa e arriscada, em que a cada passo poderão haver setores dispostos a não apenas passar a ser menos colaborativos daqui para a frente, como passar francamente a criticar o projeto, e a jogar contra.

No próximo período mais imediato, que está em curso, começou logo após o processo eleitoral e vai até a posse, o que estará em jogo é a definição de políticas públicas, a formação do governo e a construção de um suporte congressual e na sociedade. É uma fase fundamental, na qual as principais armadilhas e políticas danosas construídas ao longo do governo Bolsonaro precisarão ser desmontadas. Destacaria aqui, entre as políticas, as que levaram à miséria e à fome, as políticas de destruição ambiental, o isolamento internacional, e as políticas de desmonte do Estado. No campo das armadilhas, a principal foi construída a partir de 2016, ainda com o governo Temer, a chamada “política de teto de gastos”.

O novo governo deverá elencar prioridades, com muita clareza, e para leva-las adiante tentar criar as alianças políticas possíveis para viabilizar sua implementação.

Políticas sociais e de complementação de renda, políticas de viabilização de obras públicas (que são capazes de resolver gargalos estruturais que se acumularam, ao mesmo tempo em que têm como consequência respostas rápidas do ponto de vista da geração de empregos), e políticas de garantia da segurança e soberania alimentar são fundamentais em um primeiro momento. Nenhuma delas exige muita criatividade e/ou inovação, Lula fez políticas nesse sentido no começo do governo anterior. Importante aqui também, e já foi sinalizado pelo próprio presidente eleito, a reconstituição dos conselhos nacionais, que permitirão a capilaridade, a transparência, a rapidez, a participação social e a parceria para levar adiante as políticas em várias áreas. Entre outros, talvez o mais emblemático aqui seja o CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional).

A destruição ambiental também vai exigir resposta rápida, e aqui vai exigir também criatividade, uma vez que o estrago nos anos recentes foi muito grande. Não vai se tratar só de evitar o avanço da destruição, que era a prioridade até meados da década passada, mas exigirá também pensar como reverter a tragédia levada adiante nessa área nos últimos anos. O mundo olha para o Brasil, e sinaliza que vai topar animadamente uma parceria importante nessa área, com apoio técnico, financeiro, acadêmico e outros que se façam necessários. Portanto, a bola vai estar do nosso lado, para propor o jogo que nos for mais pertinente para levar adiante o descalabro dos anos Salles/Bolsonaro.

Outro ponto importante aqui é a primeira ação (talvez a segunda, pois a primeira deve ser considerada a articulação direta com os vários governos mundiais para o reconhecimento rápido dos resultados do processo eleitoral no Brasil) internacional do novo governo eleito, mas ainda nem empossado – a ida do Lula a COP (Conferência das Partes, conhecida como a “conferência do clima”) no Egito. É uma sinalização importante, não apenas no campo ambiental, mas para ir revertendo o isolamento internacional a que o Brasil se submeteu nos últimos quatro anos.

Reverter esse isolamento internacional é fundamental. O Brasil é um país importante, tem grande capacidade de articulação internacional quando lhe interessa, uma diplomacia eficiente, e tem feito falta nos últimos anos, pela sua assumida postura de “pária”, nas palavras do próprio ex-ministro de Relações Exteriores. Vale lembrar que a ausência do Brasil tem feito falta quer no plano regional (Mercosul, América do Sul, América Latina e Caribe, e suas instituições, Mercosul, Unasul, CELAC), mas também em articulações mais amplas das quais o Brasil faz parte, como os BRICS e o G20. Lembrando desse dois últimos, vale lembrar que ambos terão as suas cúpulas, curiosamente, em 2024, no Brasil. Chance de ouro para o Brasil mostrar que definitivamente quer sair do isolamento, e está de volta ao jogo da diplomacia internacional.

Finalmente, vale falar nesse breve artigo na questão do desmonte do Estado. Aqui não estamos apenas falando em privatizações e vendas de ativos, estamos fundamentalmente falando da destruição operada no aparelho de Estado nos últimos seis anos, que deve tornar inclusive complicada a própria implementação de políticas públicas no começo do governo. Para caminhar nessa implementação, será preciso recuperar órgãos públicos, contratar gente (concurso) em uma administração pública envelhecida, azeitar o funcionamento da máquina, fazer treinamento e capacitação, e por aí vai. Sem isso, será quase impossível implementar políticas públicas de forma eficiente. Isso toma tempo e terá que ser feito sem inviabilizar as políticas essenciais que terão que ser levadas adiante. Aqui, vai ser o caso de, como se costuma falar, “consertar o carro andando”.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli

Sobre o tema, leia também “Revogar o teto de gastos“, de Paulo Kliass.