Amazônia


Macapá, 26 de novembro de 2023

Queridos net@s, Antonio, Thomas, Cloé e Júlia,

Vou puxar a fila, eu me importo! Por ter certeza de que nossa maior riqueza está na biodiversidade! Essa certeza vem de minha origem ribeirinha, nasci em uma das margens do rio Charapucu, no coração da ilha do Marajó, e por lá vivi até os sete anos. Sou nativo, íntimo da floresta e dos rios da Amazônia, e nesses tantos anos vividos aprendi a manter os ouvidos atentos aos humildes, gente ribeirinha que vive a aflição do cotidiano sem perder a ternura com a natureza; vem também do conhecimento adquirido nos livros, da minha convivência com gente de ciência, professores, pesquisadores e dos mestres da sabedoria popular.

Manter a floresta em pé importa ao povo que habita a Amazônia desde sempre, que nesse ano de 2023, assiste, incrédulo e estarrecido o maior rio do mundo secar, com graves e irreversíveis danos ao meio natural – e tudo indica que estamos apenas vivendo o começo do fim. Sabemos que, se a floresta parar de encharcar o ar de umidade, o termômetro pode disparar, tornando a vida impossível aos que por aqui vivem.

Conservar a Amazônia importa aos que plantam soja e outros grãos e que geram energia hidráulica, pois sem as árvores da floresta para bombear umidade na atmosfera, os rios voadores deixarão de existir, sem eles não cairá água no Centro-Oeste para irrigar o agronegócio e no Centro Sul para mover as turbinas de suas hidrelétricas. Se a marcha da insensatez prosseguir, saibam que o estrago será catastrófico e irreversível.

Conservar a Amazônia importa aos países e povos do mundo, e vou lhes contar por que! A Amazônia contém 20% da água doce e entre 10 e 15% de todas as formas de vida existentes no planeta. Essas riquezas precisam ser protegidas para assegurar a sobrevivência da geração de vocês e das que virão.

Querid@s net@s! Vocês devem estar a me perguntar: se tantos se importam em conservar a Amazônia, por que ela continua sendo destruída?

Esclareço! Os que se importam são os que sabem da emergência climática e têm consciência da imperiosa necessidade de conservar a Amazônia. Mas, por enquanto, esses “tantos” ainda são minoria, sem força suficiente para mudar os padrões atuais de produção e consumo do planeta. Devo admitir, ainda será preciso muita luta, e tempo, para que o mundo chancele essa mudança.

Vai demorar, né? E nós na Amazônia? Vamos esperar a conquista de mentes e corações globais para estancar a destruição da nossa floresta?

Não! Essa espera pode nos ser fatal. Insisto: a maior riqueza da Amazônia não está no subsolo mineralizado ou no avanço da monocultura para exportação, e sim na sua biodiversidade, que permite a criação de centenas de novas cadeias produtivas capazes de empregar e manter dignamente milhões de pessoas, que sempre viveram, vivem e querem continuar vivendo na Amazônia.

Saibam vocês que temos alguns inimigos implacáveis, entre eles as queimadas criminosas, que além de destruir a biodiversidade amazônica, contribuem com 44% dos gases de efeito estufa emitidos pelo Brasil. Um outro vilão não menos perverso é o chamado mercado global, que se apropria, por exemplo, de 90% da cadeia de valor do açaí produzido na Amazônia. Um quilo de polpa é vendido para os Estados Unidos por 15 reais, lá eles transformam essa polpa em centenas de subprodutos de alto valor agregado, chegando a ganhar 20 vezes mais, vendendo no mercado global, inclusive pra nós aqui na Amazônia. Experimentem digitar no Google Açaí 600 e depois me contem.

Vocês talvez não estejam tão atentos, mas estão acontecendo coisas muito ruins pelo mundo: seca dramática na Amazônia, chuvas diluvianas em São Paulo e no Sul do Brasil, incêndio devastador no Havaí, inundação na Líbia com mais de 20 mil pessoas entre mortos e desaparecidos, dezenas de milhares de mortos por calor na Europa, ondas de calor extremos  em todas as regiões do Brasil. A verdade é que não dá mais para negar, esconder ou banalizar as tragédias ambientais provocadas pelas mudanças climáticas, que destroem e matam mais que as tantas guerras atuais. Na realidade, o mundo parece desmoronar, a verdade é que deixamos de fazer o que precisava ter sido feito lá atrás para dar uma chance ao futuro.

Querid@s net@s, é verdade que o mundo se encheu de facilidades e a vida se tornou mais confortável, no entanto, é impossível garantir que essas conquistas todas irão resistir aos impactos, cada dia mais assustadores, das mudanças climáticas, que estão colocando o planeta de ponta cabeça. Ainda assim, não perdi a esperança! Há tempo para evitar o pior, nossa geração pede desculpas, o futuro é de vocês, lutem por um mundo melhor! Sejam ágeis na conquista de corações e mentes para mudar os padrões atuais de produção e de consumo que lhes assegurem um futuro em equilíbrio com a natureza.

Com carinho,
João e Janete Capiberibe

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
Leia também “A Amazônia é a fábrica verde do futuro“, de Maria Eduarda Mello e Souza.