Ilustração: Mihai Cauli

O 7 de setembro não acabou. Apenas estruturou uma nova conjuntura que vai dar os contornos do processo político-eleitoral até a eleição de 2022. Não vai ter golpe nem impedimento.

O 7 de setembro não foi uma tentativa de golpe. Ele tem que ser entendido no objetivo central do Bozo de reeleição em 2022. Esse objetivo é tão claro que quando ele se refere a isso é o único momento em que ele não inventa uma narrativa fake.

O 7 de setembro foi um ensaio do que ele pretende realizar em outubro de 2022, especialmente se for derrotado no segundo turno.

O 7 de setembro foi mais um evento destinado a manter a sua base de apoiadores – que o chamam de mito – mais fanáticos, mobilizados e animados para 2022. Mesmo com a repercussão negativa do menor comparecimento nas ruas da massa bolsonarista e com a desilusão com o conteúdo dos discursos e a não chamada para o assalto ao STF e ao Congresso, essa massa de apoiadores rapidamente se recompôs nas mídias sociais.

O recuo mais dramático foi a convocação do ex-presidente Temer a Brasília para escrever uma nota política que formalizava o recuo e, mais ainda, colocava o principal “inimigo” do Bozo para receber desculpas por telefone. A publicação do vídeo do jantar organizado por Temer com vários empresários e políticos, no qual uma imitação do Bozo é motivo de gargalhadas, serviu para mostrar que existe uma possibilidade de construção de uma via alternativa ao Bozo para enfrentar a primeira via Lula.

A derrota na batalha de 7, 8 e 9 de setembro foi seguida de uma pequena vitória com a fraca manifestação popular convocada pela Terceira Via. Porém, o que é importante reter dessa frenética movimentação política é o espaço aberto para a construção de uma alternativa liberal conservadora para a disputa eleitoral de 2022.

É nesse contexto que as tendências para 2022 devem ser examinadas. O famoso jantar na casa de Naji Nahas em São Paulo foi o fato mais claro para mostrar de modo alegre, para os comensais, que o impedimento do Bozo não sairá. Da mesma forma, mostra também que o golpe não virá, mas dependerá do resultado do processo eleitoral.

A situação da popularidade do Bozo é de alguma maneira surpreendente. Mantém uma convergência entre seu piso e teto eleitorais em torno de 25% a 30%. Surpreendente pelo trágico resultado de sua gestão da pandemia com 600.000 mortos até agora, altíssimo desemprego, aumento do número de desalentados e precarizados, inflação galopante, elevação da parcela da população com restrição alimentar (fome), queda da renda média, crise energética e aumento da violência pessoal e social. Essa resiliência torna o Bozo um grande desafio para uma alternativa liberal conservadora.

Vinte por cento do eleitorado, nos cruzamentos, diz preferir um candidato que não seja nem Bolsonaro e nem Luiz Inácio Lula da Silva. Nenhum da “Terceira Via” passa muito dos 10%. Um único nome relevante teria boa probabilidade de abrir a corrida daqui a pouco menos de um ano com uns 15%, o que o colocaria próximo do Bozo.

A estratégia para a “Terceira Via” avançar é acelerar o processo de desgaste e isolamento do Bozo, tornando-o um pato manco para o enfrentamento com Lula. Isso faria com que uma parcela importante do eleitorado do Bozo se bandeasse.

Ao que parece, é esse movimento que começa a ser articulado com vários articulistas ligados ao grande capital produtivo e financeiro com seus artigos publicados na grande mídia. Um ataque frontal ao Bozo, em que o jantar em homenagem ao Temer adquire um significado especial ao emitir o sinal: “tiramos o Lula para botar o Bozo e agora vamos tirar o Bozo para botar o Lula”. Ou seja, começou o ataque para a construção da Segunda Via.

É interessante que alguns desses articulistas estão explicitamente elogiando o governo do Temer como o melhor governo dos últimos tempos recentes, por ter explicitamente assumido uma agenda liberal – “A Ponte para o Futuro” – e apresentado capacidade de articular mais “propostas estruturantes” do que o Bozo e o Posto Ipiranga.

Também é bom destacar que no Brasil nunca se deve desprezar aquele que tem o controle da máquina estatal. Se ele não fizer alguma grande loucura, poderá chegar ao final do governo em campanha, com as vantagens que a estrutura do governo oferece na reeleição. Mas sua situação eleitoral continua frágil.

Embora seja difícil articular um nome de consenso para unir todos os partidos da alternativa liberal conservadora isso poderá acontecer durante a própria campanha eleitoral.

Vale lembrar que a articulação entre a grande mídia e o capital conseguiu eleger e reeleger FHC no primeiro turno, dar o golpe na Dilma com apoio do Judiciário e impedir Lula de se candidatar em 2018. Lula, com toda a sua popularidade, nunca venceu no primeiro turno, o mesmo ocorrendo com Dilma.

A duração da aparente estabilidade obtida por Temer vai depender da confiança que os dois lados que estão em busca da Segunda Via tiverem em sua força eleitoral. Bozo leva a vantagem da sua resiliência nas pesquisas e no controle da máquina estatal com o Centrão. Este é o seu ponto fraco, pois se continuar a se enfraquecer nas pesquisas eleitorais, o Centrão vai debandar para o candidato mais forte a partir de abril de 2022. O liberal-conservadorismo tem o seu ponto forte no controle dos mecanismos de formação e controle da opinião pública que não se confunde com a opinião popular.

De qualquer maneira, ainda é muito cedo para tratar o Bozo como um presidente humilhado, desacreditado e como uma carta fora do baralho. Isso pode ser uma grande incompreensão dos fatores que compõem o “bolsonarismo”, que não se confunde com o Bolsonaro. O Bolsonarismo é um movimento reacionário com profundo enraizamento numa visão golpista e autoritária em amplos setores da sociedade brasileira. Esse movimento na base da sociedade, aliado à máquina estatal e a uma reeleição (nunca nenhum presidente deixou de ser reeleito), é um forte fator a ser considerado em qualquer situação.

A eleição só vai ocorrer daqui a um ano. Mantidas as condições atuais, Lula é a Primeira Via. Bolsonaro, para se afirmar como a Segunda Via, mesmo que no momento seja o mais bem situado, vai ter que derrubar o teto de gastos para viabilizar o “Auxílio Brasil” e apresentar um desempenho melhor na criação de emprego, renda e no controle da inflação. A memória trágica da pandemia, o resultado da CPI da Covid, e o tamanho da crise hídrica e de energia tornam essa tarefa particularmente difícil.

Os liberais-conservadores, com o apoio da grande mídia e dos seus imensos recursos de financiamento, têm um grande espaço para ser preenchido. Porém, como já avaliado por vários analistas, têm as ideias fora de lugar.

Lula só não pode jogar parado. Ser a Primeira Via é ótimo. Mas não garante a vitória. Ainda mais que não se sabe quem será a Segunda Via.

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