Querida Primavera, talvez não saibas que nosso querido país foi invadido por hordas armadas que falam a nossa língua, mas são estranhos, brabos, agressivos.

Querida Primavera

Quantas saudades sentimos de ti, pois tu és a estação das flores, pássaros, árvores e amores. Querida Primavera, tua beleza excita o amor, incendeia as imaginações, valeu a pena esperar tua chegada, e que fiques por aqui mais que três meses, três anos ou muito mais. Sonho que o verão, o outono e o inverno sejam primaveris como tão bem sabes ser. Escrevo uma carta é porque desejo matar as saudades das cartas que os mais jovens não tiveram o privilégio de conhecer. Escrevi centenas de cartas, e gostava de pôr no envelope e ir até o Correio pôr selos e enviar. Esperar que a carta chegasse ao seu destino e esperar a resposta. E quando eram cartas de paixão, então eram empolgantes, ia lendo no ônibus, ou no bonde, e algum passageiro devia notar minha alegria quando eu ria sozinho de felicidade.

Querida Primavera, talvez não saibas que nosso querido país foi invadido por hordas armadas que falam a nossa língua, mas são estranhos, brabos, agressivos. Tu não vais acreditar que cortaram milhões de árvores que hoje não podem festejar contigo tua chegada. Além disso, morreram centenas de milhares de brasileiros por um vírus mortífero, pois os estranhos que invadiram o País foram contra as vacinas. Eles também são contra a cultura, contra as flores, os animais e gente canhota, do centro e civilizada. São a favor das armas, das motociatas imitando Mussolini.

Querida Primavera, cheguei a duvidar que voltarias após tantos anos de inverno, tantas perdas, de grossas lágrimas secas, pela crueldade reinante. O mundo está esperando que daqui dessa terra possa se divulgar aos quatro cantos as boas novas da dança, da festança, do erotismo sorridente das ruas, praças e florestas. Há um entusiasmo que se espalha a mais de duzentos milhões de pessoas. Vai se iniciar o mais longo carnaval da História. Nos últimos dias cresce o espanto dos armados que planejam boicotar a felicidade. O que nos dá alegria é que muitos dos armados estão envergonhados. Antes viviam mais arrogantes, se achando, atacando, brindando pelo inverno, e a gente chorosa, abatida.

Querida Primavera tu és a poesia, e a poesia é o remédio contra sufocação, disse Guimarães Rosa. Estou imaginando o que não existe e talvez não exista, mas, quando se ama, quando a gente se apaixona, a gente fica empolgado, distante de um analista equilibrado que escuta com atenção flutuante. Tu me fazes flutuar, e flutuando percebo uma leveza de gente numa imensa pradaria, dançando as danças circulares. Dançam todas as raças, as crenças, as classes dando um banho de esperança no Povo Brasileiro, é a vitória tão ansiada.

Querida Primavera, a gente sabe que o destino está, mais uma vez, entre o desenvolvimento cultural, e a pulsão de agressão. A cultura vencerá, e com seu conhecimento intervém nos acontecimentos, e assim exerce a potência de viver. O gigante adormecido se levanta para cuidar do povo e da natureza. (Publicado no Facebook do autor em 30/09/2022)

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Ilustração: Mihai Cauli
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