Quão ricos se tornaram os super-ricos dos Estados Unidos? O salário anual de Steve Schwarzman, CEO do gigante de capital de risco Blackstone Inc., é um bom indicador. Em 2023, segundo se soube no princípio deste ano, os rendimentos de Schwarzman diminuíram 30% em relação ao ano anterior. Mas o salário total de Schwarzman no ano, mesmo após essa queda, ainda era impressionante, totalizando incríveis 896,7 milhões de dólares.

Qual é a fortuna atual do CEO da Blackstone? De acordo com o Índice Bloomberg de Bilionários, ela é de 42,3 bilhões de dólares.

E qual é a influência política atual de Schwarzman? Isso ainda está por ser visto. No ciclo eleitoral presidencial de 2020, esse titã de Wall Street gastou mais de 27 milhões de dólares em doações para seus candidatos favoritos ao cargo, mais de cinco vezes o que gastou no ciclo eleitoral de 2016. Desde 2020, a fortuna pessoal de Schwarzman – o que ele tem disponível para regar seus favoritos no dia das eleições – mais que dobrou.

A riqueza total dos bilionários em todo o mundo, no mesmo período, mais que triplicou, de 76 bilhões para 233 bilhões de dólares, segundo  dados que a Forbes acabou de  publicar. Há quatro anos, a Forbes contava mais bilionários nos Estados Unidos (614) do que em qualquer outro país. Hoje, de acordo com a última contagem da Forbes, cerca de 813 bilionários vivem nos Estados Unidos.

Esses bilionários – e os milionários que aspiram a ser bilionários – não apenas prosperam, eles influenciam a política e o nosso futuro.

No início do século XX, diante de uma situação política semelhante, os americanos de classe média entenderam que “neste país podemos ter democracia ou podemos ter uma grande riqueza concentrada nas mãos de poucos, mas não podemos ter ambos”, como disse uma vez o grande juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Louis Brandeis.

Eles fizeram o máximo para descentralizar a riqueza da nação e alcançaram grandes avanços. Na metade do século XX, graças a esse progresso, os mais ricos dos Estados Unidos enfrentavam um imposto federal de 91% sobre rendas superiores a 400 mil dólares, equivalente a cerca de 4,6 milhões de dólares hoje em dia. Até 1980, esses mesmos ricos também enfrentavam taxas de imposto de até 70% sobre fortunas deixadas após a morte para seus entes queridos.

Porém, essas taxas de imposto tão altas se evaporaram nas últimas cinco décadas. De acordo com cálculos dos analistas da Casa Branca de Biden, as 400 pessoas mais ricas dos Estados Unidos recentemente pagaram insignificantes 8,2% de seus rendimentos reais anuais em impostos federais.

Como podemos transformar esses 8,2% em algo mais próximo de 82%? Como podemos começar a tributar os magnatas do setor privado especulativo com o mesmo tipo de altas taxas que ajudaram os Estados Unidos do meio do século XX a dar à luz a primeira classe média massiva da história?

Talvez devêssemos começar focando nos magnatas do setor sem fins lucrativos.

Ninguém no setor sem fins lucrativos chega perto das dezenas de milhões anuais que enchem os bolsos dos altos executivos financeiros e empresariais de nosso país. No entanto, muitos executivos deste setor – como os altos executivos dos principais hospitais, universidades e fundações, por exemplo – hoje levam para casa recompensas suculentas que diminuem os salários de seus funcionários.

No mês passado, a revista Chronicle of Philanthropy analisou a remuneração anual dos CEOs das 16 maiores fundações dos Estados Unidos. Os CEOs desses 16 gigantes sem fins lucrativos recebiam em média 1,1 milhão de dólares.

O Chronicle of Higher Education apontou, no início deste ano, que nos campi universitários americanos a remuneração dos altos executivos pode ser consideravelmente maior do que a das fundações. Em 2021, o último ano para o qual há dados disponíveis, 21 presidentes de universidades privadas embolsaram mais de dois milhões de dólares.

Naquele mesmo ano, de acordo com o Comitê de Saúde, Educação, Trabalho e Pensões do Senado dos EUA, os altos executivos de 16 das maiores organizações sem fins lucrativos do setor de saúde dos Estados Unidos “receberam uma remuneração média de mais de oito milhões de dólares” e juntos levaram para casa mais de 140 milhões de dólares.

É importante notar que as organizações sem fins lucrativos que estão desembolsando todas essas recompensas substanciais também desfrutam de isenções fiscais federais, estaduais e locais. Em outras palavras, os contribuintes americanos estão subsidiando as compensações substanciais dos altos executivos das organizações sem fins lucrativos.

E isso não está agradando a um número crescente de americanos que trabalham tanto dentro, quanto fora das organizações sem fins lucrativos em nosso país. Em Los Angeles, os ativistas sindicais do setor hospitalar têm pressionado para que seja aprovada uma regulamentação local que limite a remuneração dos executivos hospitalares a 450 mil dólares, a mesma quantia que o presidente dos Estados Unidos recebe atualmente.

“A maior preocupação de nossos principais provedores de saúde”, aponta o sindicato SEIU-United Healthcare Workers West, “deveria ser servir à comunidade, não enriquecer indivíduos”.

Mas continuam a enriquecer, e não apenas em grandes cidades como Los Angeles. Em 2022, o CEO da maior cadeia de hospitais sem fins lucrativos de Indiana recebeu uma compensação de pouco mais de quatro milhões de dólares. O diretor de operações da mesma organização sem fins lucrativos recebeu quase dois milhões de dólares, e seu diretor financeiro ganhou pouco mais de 1,5 milhões.

Em nível nacional, de acordo com o Instituto Lown, os CEOs de hospitais sem fins lucrativos ganham “até 60 vezes mais” do que os trabalhadores das organizações que lideram.

Até onde essa diferença deveria ir? O mundialmente conhecido Peter Drucker, fundador da moderna ciência da gestão, disse uma vez à Comissão de Valores Mobiliários que nenhum executivo sênior deveria ganhar mais de 20 vezes o que pagam aos seus trabalhadores. Ele aconselhou a executivos que uma relação salarial de 20 para um “é o limite além do qual não devem ir se não querem que o ressentimento e a queda da moral afetem suas empresas”.

No início deste ano, o senador americano Bernie Sanders, de Vermont, se juntou a um grupo de legisladores que incluíam Chris Van Hollen, de Maryland, e Barbara Lee, da Califórnia, para fazerem um esforço legislativo federal para traduzir a sabedoria de Drucker em políticas públicas. Sua proposta “Taxa sobre Remuneração Excessiva de CEO” elevaria as taxas de imposto das empresas com uma relação entre a remuneração do CEO e a média dos trabalhadores superior a 50 para 1.

“O povo americano está cansado dos CEOs ganhando quase 350 vezes mais que seus funcionários médios”, opinou o senador Sanders ao apresentar o projeto de lei, “enquanto mais de 60% dos americanos vivem de salário em salário”.

No momento, esta legislação de Sanders não tem chance alguma de ser aprovada, é claro. Nossos grandes peixes corporativos simplesmente exercem poder demais em nosso cenário político contemporâneo.

As grandes organizações sem fins lucrativos, por outro lado, também têm peso político, mas não tanto quanto seus equivalentes corporativos. Então, por que não começar a focar muito mais a questão da relação salarial CEO-trabalhador no setor sem fins lucrativos? Por que não pressionar por leis que neguem o status de organização sem fins lucrativos – e as isenções fiscais associadas a ele – às organizações sem fins lucrativos que pagam a seus altos executivos acima da proporção de 20 vezes de Peter Drucker?

Um passo nessa direção mandaria uma mensagem poderosa: que nosso sistema fiscal não deveria recompensar, de modo nenhum, empresas que pagam a seus executivos mais do que pagam a seus funcionários. Esta mensagem, por sua vez, poderia reforçar uma legislação que negasse contratos e subsídios do governo a empresas com fins lucrativos que recompensam seus chefes à custa de uma remuneração decente para seus empregados.

Para onde tudo isso poderia nos levar? Talvez a um código fiscal que tribute os rendimentos acima de um modesto múltiplo do salário mínimo a ao menos 91% de imposto sobre os dólares de renda mais altos, como era durante os anos de Eisenhower. Taxar os rendimentos acima desse múltiplo ajudaria, por sua vez, a consolidar um Estados Unidos muito mais igualitário.

Impor limites à remuneração de executivos sem fins lucrativos pode levar a um futuro mais igualitário? Não esqueçamos que toda jornada de mil milhas começa sempre com um simples passo.  (Publicado no Sin Permiso, em 28/04/2024)

***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Tradução: Eduardo Scaletsky
Ilustração: Mihai Cauli  Revisão: Celia Bartone
Leia também “O papel dos preconceitos“, de Luiz Marques.