O presidente pode desistir da reeleição em 2022 para tentar outro cargo e manter o foro privilegiado

Faltando menos de um ano para as eleições, as pesquisas aprofundam o naufrágio do governo de Bolsonaro. Falta muito, é verdade, o retrato é de momento. Mas é o que temos sobre o humor do eleitorado. E até agora, de modo consistente há vários meses, os resultados não beneficiam o capitão. Matéria publicada em O Globo (13/11) mostra que Bolsonaro, a um ano antes do pleito, tem o menor apoio medido por intenção de voto entre os presidentes que foram à reeleição.

Como se sabe, Bolsonaro foi eleito no cruzamento de duas pautas políticas que se uniram em sua campanha por uma razão exclusivamente conjuntural – a necessidade de tirar Lula do páreo. Por um lado, o fundamentalismo de base religiosa de corte extremista de direita e por outro, a pauta neoliberal da “Ponte para o Futuro” que, com a escolha de Paulo Guedes como seu operador, somou à sua inspiração neoliberal uma face tosca e incompetente.

Atualmente, o fundamentalismo religioso e fascistizante vem sendo mantido, na melhor das hipóteses, numa velocidade inercial, tendo o capitão se livrado de seus ministros mais alinhados a ela (Weintraub, Araújo e Salles) e de vários de seus pelotões mais agressivos (seu ideólogo-raiz, Olavo de Carvalho, Sara Winter e outros). Soma-se a isso a derrota de Trump. Na outra ponta, a incompetência de Guedes, uns restos de nacionalismo de direita de Bolsonaro e o apetite paroquial insaciável do Centrão vêm bloqueando parte relevante da pauta neoliberal, especialmente no terreno das privatizações mais exemplares e impactantes. Aliás, são as dificuldades de implementação dessa pauta que estão provocando o abandono de Bolsonaro por parte de uma boa parcela da burguesia industrial e financeira brasileira e propiciando a tentativa de construção dessa chamada terceira via, até agora incapaz de costurar o que quer que seja.

É claro que Bolsonaro gostaria de ganhar as eleições de 2022, posto que parece ter desistido de promover o bolsonarismo mediante um pronunciamento militar, tentado e frustrado em sete de setembro passado. Eliminada essa via, restam as eleições. Mas, suspeito que, para ele, será mais importante garantir a continuidade do bolsonarismo enquanto movimento que certamente sobreviverá ao final do seu governo, seja qual for o resultado das eleições.

Alguém poderia argumentar que se ele ganhar a eleição terá melhores condições de promover a continuidade do bolsonarismo. Mas eu pondero que, pelo andar da carruagem, o Brasil chegará tão destruído às eleições e a dificuldade da reconstrução será tão grande que vale especular se Jair Messias não lucraria mais se ele e seus filhos vierem a estar na oposição no Congresso. Fazendo, aliás, o que ele sempre fez em toda a sua carreira política de 30 anos, com a exceção desse seu período presidencial.

Se essa minha especulação for correta, o principal objetivo da família para a continuidade do bolsonarismo é o de garantir a eles a manutenção da prerrogativa de foro após as eleições de 2022. Os filhos poderão garantir isso se elegendo – Flávio, senador no RJ, Eduardo, deputado federal em SP e Carlos continuando a vereança por mais dois anos ou concorrendo a deputado estadual também no RJ. O problema que resta é o que fazer com o capitão. Se concorre à reeleição e perde, fica sem a prerrogativa de foro e vai ser processado e preso, muito provavelmente. Daí essas propostas que se insinuam, como a de uma emenda constitucional que conceda senatoria vitalícia a todos os ex-presidentes. Se esta não avançar, outras propostas poderão vir.

Esse paradoxo que se coloca entre o governo Bolsonaro e o bolsonarismo enquanto movimento foi proposto por João Cesar de Castro Rocha em seu ensaio “Guerra Cultural e Retórica do Ódio” (Editora Caminhos, 2021). O paradoxo está em que a sustentabilidade política do bolsonarismo depende da radicalização de corte fascistizante por parte de seu governo e isso conflita com o exercício de governar que, ao fim e ao cabo, exige propor e implementar projetos no âmbito social e econômico. Esse paradoxo ficou muito nítido no enfrentamento da pandemia de Covid-19 quando, durante a maior parte do tempo, o capitão se dedicou a cevar o bolsonarismo em detrimento de governar o país frente à tragédia.

É verdade que a aprovação na Câmara da PEC que abre espaço financeiro para um programa de socorro temporário às famílias empobrecidas é uma medida que, se aprovada também no Senado, poderia ser considerada uma medida “de governo” e não “do movimento” e sugeriria um impulso ao capitão no sentido de apostar na reeleição. Mas, entendo eu que essa PEC, que beneficiaria sem dúvida um Bolsonaro candidato, deverá trazer muito mais benefícios políticos para os deputados e senadores que disputarão as eleições e que poderão ou não estar com ele em outubro do ano que vem. Suporta essa interpretação o fato de deputados de partidos não alinhados ao capitão terem votado a favor da emenda.

Tudo indica que neste momento a estratégia eleitoral dos liberais da “Ponte para o Futuro” orienta-se no sentido de tirar Bolsonaro do segundo turno, na esperança de que um representante da terceira via (?) possa disputá-lo com Lula. Para isso, jogam fichas em Sergio Moro, que tentará recolocar o tema da corrupção no centro da cena política, como em 2018. Mas as pesquisas também sugerem que isso não está na cabeça do eleitor como um assunto prioritário. E se nos próximos meses essa estratégia adquirir um mínimo de consistência e a presença de Bolsonaro no segundo turno estiver ameaçada, será mais uma razão para o capitão abandonar a corrida para a presidência e disputar outro cargo eletivo para o qual certamente será eleito. Como gostava de dizer Millôr Fernandes, “Livre pensar é só pensar”.

***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone 

Clique aqui para ler artigos do autor.