Há anos sou amigo do Halley Margon, na maior parte deles estivemos em lugares geográficos muito distantes e praticamente sem nenhum contato. É interessante comentar que mantivemos as mesmas referências utópicas e os desejos de um mundo com mais democracia e menos desigualdade. Ele nasceu em Catalão, Goiás. Jogou-se nos braços das letras e publicou os romances Paisagem com cavalo (2010), No inferno os ventos sopram de todas as direções (2012), Derivações de Ana (2018) e o livro de ensaios Esse ar pelo qual vocês lutaram tanto (2012). Hoje vive em Barcelona, de onde envia periodicamente textos para publicarmos no Terapia Política, do qual é conselheiro. São textos que falam sobre as turbulências mundiais nestes tempos de pandemia e de insanidades. Submerso neste contexto, Halley está lançando seu livro A Noite Belga, no qual construiu um quebra-cabeça com milhares de peças que deixou para nós montarmos. Os leitores do Terapia reconhecerão ao longo do livro muitas ideias que originaram vários artigos seus publicados aqui no blog.

Os e-books não têm orelhas, mas foi delas, na obra impressa, que retirei o texto que oferece um retrato resumido do que o leitor encontrará nas páginas do livro.

Resenha

Não é por acaso que este livro começa falando de desaparecimentos. Primeiro de palavras, em seguida, de pessoas. Num mundo em que a dificuldade de lidar com a diferença é a norma, em que algumas formas de afirmação da identidade impedem enxergar o humano quando ele está do outro lado da fronteira (real ou imaginária) que nos cerca, é preciso olhar de todos os ângulos que nos sejam possíveis para dar conta de uma realidade que parece definitivamente decidida a se esconder de nós e fugir da nossa compreensão. Os textos de A noite belga partem dos temas mais variados, trazem cenas de livros ou de filmes, da vida coletiva e dos indivíduos, revisitam as sombras lançadas pela guerra – o ponto sem retorno em que a humanidade é capaz de chegar ao genocídio, ao desejo de exterminar o outro – e analisam alguns dos mecanismos que regem a política contemporânea e a vida de uma sociedade que, num só tempo, submerge no espetacular mundo do consumo (as supostas maravilhas do mundo próspero) e em obscuras zonas de miséria e violência.

Bem distante do tom acadêmico, são como os textos de um cronista, alguém que o tempo todo conversa com o leitor, e esta é uma das suas principais marcas: uma grande (e às vezes provocadora) multiplicidade de assuntos, investigações, costuras de ideias e de acontecimentos. Mesmo quando trata dos temas mais áridos, sua escrita fluente, ora aguda e até irritada, ora melancólica (ou desesperada), sabe despertar nosso interesse na exata medida em que está sempre amparada em dados e números de uma ampla pesquisa e na constante apresentação de fatos históricos. Ao mesmo tempo em que nos faz pensar, A noite belga é um livro que se lê quase como uma obra literária, daquelas que trazem uma nova surpresa a cada página.

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