Sai da frente, estafermo! Uma saga de mulheres negras, de Delman Ferreira e Paulo Sá Brito
Acabou de ser lançado o livro “Sai da frente, estafermo! – uma saga de mulheres negras”, uma ficção histórica que narra a vida de cinco mulheres negras (a mãe, avó, bisavó, tataravó e penta-vó). São, como diz Delman Ferreira, mulheres que ousaram estar um passo à frente de seu tempo. Pagaram caro pela ousadia. Marcolina, escravizada, provavelmente nasceu por volta de 1820; Leopoldina, escravizada, nasceu em 1852 (foi encontrada a certidão de nascimento), era alfabetizada e, desde criança, aprendeu que o único caminho para escapar de um destino servil era por meio do conhecimento, e transmitiu essa sabedoria para as gerações futuras da família.
Por meio das histórias dessas mulheres, foi sendo contada a vida na Freguesia de Nossa Senhora do Desterro, hoje Florianópolis.
Segundo Joana Célia dos Passos, professora universitária, militante do movimento negro, atual vice-reitora da UFSC, Delman Ferreira e Paulo Sá Brito visibilizam histórias que também são nossas.
- “Da Desterro do século XIX à Florianópolis do século XX, esse é o território em que se desenvolve o romance. As protagonistas são mulheres negras intelectualizadas, que de fato existiram e resistiram nessas terras num contexto escravocrata. E agora voltam a reexistir publicamente a partir desse livro. Sabiam elas que o acesso aos conhecimentos altera a realidade de mulheres negras, mas não só. Altera também a vida de quem com elas convive. E é nesse clima de leituras possíveis de uma memória reconstituída, parte com documentos e história oral parte pela imaginação.”
Desterro é o cenário. A narrativa vai apresentando os personagens que têm as vidas impactadas pela forma como se organizava a sociedade em cada época. O romance que tem seu eixo condutor nestas personagens femininas, se confunde aos acontecimentos ao longo dos quase 200 anos de história da cidade.
O livro traz à tona a presença de intelectuais negros. Homens e mulheres muitas vezes esquecidos pela historiografia. O resgate desses personagens leva ao conhecimento da importância da contribuição cultural negra e, junto a ela, a presença marcante do racismo, mesmo no interior das chamadas esferas cultas da sociedade.
É um relato agudo e sensível de resistência e luta, sem ser um panfleto, pois não simplifica a realidade. Narra crueldades do escravismo, mas como diz o próprio autor, não é uma luta entre negros santificados contra brancos perversos.
Os personagens são pessoas comuns, com qualidades e defeitos, que participam das tramas para resistir e sobreviver num mundo adverso. Mesmo relatando situações de extrema dor, a linguagem é leve e propicia uma leitura agradável.
Sai da frente, estafermo! é a expressão usada quando se queria mandar alguém sair do caminho, não atrapalhar, não ser ou criar obstáculos. As protagonistas do livro se utilizam da frase em momentos que precisam superar e dar a volta por cima depois de tombos da vida.
Estamos diante de um bom romance baseado em histórias verdadeiras sobre temas que ainda têm muitas lacunas a serem investigadas.
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Ilustração: Mihai Cauli
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