As medidas do Governo Trump contra o Brasil têm pouco a ver com os processos contra Jair Bolsonaro. Mas, uma coisa é certa, as sanções aumentarão a união nacional em torno da soberania.
Está mais do que claro que o Governo Trump escolheu o Brasil como um dos seus sacos de pancada. Vejamos as evidências e as prováveis razões.
A primeira evidência foi a declaração em maio desse ano do Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, de que a Casa Branca estaria analisando punir o ministro Alexandre de Moraes, com base na Lei Global Magnitsky, pelas medidas judiciais tomadas por ele contra as big techs norte-americanas (bloqueio de bens e de contas nos EUA, além da proibição de sua entrada em território americano).
A segunda evidência foi a carta de Donald Trump postada para o presidente Lula nas redes sociais em 9 de julho de025 com a decisão de tarifar todas as exportações brasileiras com uma alíquota de 50%, já a partir de 1º de agosto desse ano, o que foi feito com base em razões eminentemente políticas. Resumidamente, foram elas: discordância em relação aos processos movidos contra Jair Messias Bolsonaro, considerado por Trump “uma caça às bruxas”, não aceitação do tratamento dado pelo STF às redes sociais (big techs), alegação da existência de um suposto déficit comercial dos EUA com o Brasil e de barreiras tarifárias e não tarifárias por parte do Brasil.
A terceira evidência é a investigação aberta em 15/07/25 pela USTR (Escritório do Representante do Comércio dos EUA), sobre práticas comerciais desleais contra os EUA. Ela é conduzida sob a Seção 301 da Lei Comercial dos Estados Unidos, um instrumento controverso que permite ao governo norte-americano investigar e punir unilateralmente práticas consideradas prejudiciais ao comércio do país. O embaixador do comércio dos EUA, Jamieson Greer, ex-oficial da Força Aérea dos EUA, ressaltou:
“O USTR detalhou as práticas comerciais desleais do Brasil, que restringem a capacidade dos exportadores americanos de acessar seu mercado há décadas, no Relatório Nacional de Estimativa de Comércio (NTE). Após consultar outras agências governamentais, consultores credenciados e o Congresso, determinei que as barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil merecem uma investigação completa e, potencialmente, uma ação corretiva”.
As acusações apresentadas pelo governo americano incluem:
Redes sociais: o Brasil é acusado de criar ambiente hostil para empresas americanas que se recusam a “censurar” discursos políticos, numa referência velada às decisões do STF que puniram plataformas digitais como Rumble e Truth Social. O argumento é de que a responsabilização das redes sociais pela retirada de publicações de usuários que causem danos a terceiros, mesmo não havendo ordem judicial para tanto, poderia acabar atrapalhando os negócios das empresas de tecnologia (decisão de alteração pelo STF do artigo 19 do Marco Civil da Internet nos casos de publicações que envolverem crimes ou atos ilícitos).
Pix: O documento também menciona o Pix que consistiria em uma prática desleal em relação aos serviços de pagamento eletrônico, em especial da Apple e Google, que “têm suas próprias ferramentas de pagamento”.
Tarifas preferenciais: o Brasil aplicaria tarifas mais baixas para países concorrentes como Índia e México, o que prejudicaria as exportações dos EUA de itens agrícolas, veículos e autopeças, minerais, produtos químicos e máquinas.
Fiscalização anticorrupção: os EUA acusam o Brasil de falhar em promover transparência e medidas efetivas contra a corrupção. O relatório afirma que “há indícios de que os esforços do Brasil no combate à corrupção enfraqueceram consideravelmente em algumas áreas”.
Proteção à propriedade intelectual (contrabando): o Brasil seria omisso na proteção de direitos de propriedade intelectual, não conseguindo “enfrentar de forma eficaz a ampla importação, distribuição, venda e uso de produtos falsificados, consoles de videogame modificados, dispositivos de streaming ilícitos e outros dispositivos de violação”. Um exemplo é “a região da Rua 25 de Março que permanece há décadas como um dos maiores mercados de produtos falsificados, apesar das operações de fiscalização realizadas no local”, o que afeta as empresas americanas de tecnologia e criatividade.
Patentes: além do frágil combate à pirataria, seria precária e burocratizada a tramitação dos pedidos de patentes, especialmente às biofarmacêuticas, o que reduz seus períodos de vigência (9 ½ anos em média para a concessão de patentes farmacêuticas no período de 2020 a 2024).
Etanol: o Brasil teria abandonado o tratamento recíproco e praticamente livre de tarifas e elevado de forma significativa a tarifa sobre o etanol importado dos EUA (desde 1º de janeiro de 2024, o Brasil fixou a tarifa sobre o etanol em 18% para os EUA).
Desmatamento ilegal: incapacidade de aplicação das próprias leis brasileiras contra o desmatamento, prejudicando produtores de madeira e agrícolas americanos. Segundo o Relatório, mais de um terço de toda a madeira da Amazônia é de origem ilegal (extração ilegal de terras protegidas ou exploração sem as devidas licenças e autorizações), além de existirem evidências do uso extensivo de trabalho forçado no contexto do desmatamento ilegal e da não punição aos infratores, que continuaram vendendo madeira ilegal para os EUA.
Segundo o NYT, a investigação pode não somente gerar novas tarifas, como também ampliar a tensão política e diplomática entre Washington e Brasília, já que reacende a possibilidade do uso do poder tarifário do governo Trump para interferir em políticas internas de outros países.
É evidente que não existem razões comerciais que justifiquem as sanções. Elas são eminentemente políticas e ideológicas. E, a meu juízo, tem pouco a ver com os processos movidos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. O cerne do problema reside na presença do Brasil no BRICS.
Atualmente, o BRICS é composto por 11 países membros: seus cinco membros originais – África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia -, e seis novos membros – Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã.
Os objetivos gerais do BRICS incluem fortalecer a cooperação econômica, política e social entre seus membros, bem como promover um aumento da influência dos países do Sul Global na governança internacional. O grupo busca melhorar a legitimidade, a equidade na participação e a eficiência das instituições globais, como a ONU, o FMI, o Banco Mundial e a OMC. Além disso, visa impulsionar o desenvolvimento socioeconômico sustentável e promover a inclusão social.
A Declaração da 16ª Cúpula do BRICS, emitida no Rio de Janeiro em 6 de julho de 2025, destaca o fortalecimento da cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável. O documento enfatiza a importância de promover o multilateralismo e reformar a governança global, buscando paz, segurança e estabilidade internacionais. Além disso, aborda temas como a reforma do sistema financeiro internacional, a segurança alimentar, a cooperação em inteligência artificial e a importância do direito internacional.
Os países do BRICS também expressam a necessidade de reformar a governança global para torná-la mais inclusiva e representativa, especialmente para os países do Sul Global.
A declaração reforça o compromisso dos países do BRICS com a paz, a segurança e o desenvolvimento sustentável, buscando construir um futuro mais justo e equitativo para todos. Para isso, contam também com o concurso do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) que é um braço de desenvolvimento do BRICS criado para mobilizar recursos destinados ao financiamento de projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento.
Tais objetivos do BRICS incomodam visceralmente a direita reacionária do planeta, liderada por Donald Trump. Daí decorrem as sanções do governo norte-americano contra o Brasil, deixando o país em situação extremamente delicada. É óbvio que nosso país não pode abrir mão de sua soberania. É evidente, também, que o Executivo brasileiro não cogita interferir em processos de responsabilidade do Judiciário. É muito triste constatar que uma tarifa de 50% causará significativos prejuízos para o agronegócio (carnes, suco de laranja, café, etc.) e para a indústria (aeronáutica, aços planos, alumínio, autopeças, calçados, etc.) que exportam para os EUA cerca de 12% das nossas exportações totais.
Nossas autoridades escolheram depositar todas as fichas no caminho da negociação. Para tanto, estão apostando numa estratégia consensuada com o setor produtivo exportador, com as empresas norte-americanas estabelecidas no Brasil e que exportam para suas matrizes nos EUA, com os importadores norte-americanos que sofreriam a descontinuidade de suas compras do Brasil, com a sensibilização de representantes do Legislativo dos EUA, com os demais países sancionados por Trump, recursos à OMC, dentre outras ações de cunho comercial e negocial, tais como a negociação de cotas de exportação para determinados produtos sensíveis.
Com isso, o Brasil espera não ser sancionado comercial e economicamente por razões eminentemente políticas, como é o caso. Note-se que nos últimos 15 anos, o Brasil registrou um déficit de aproximadamente US$ 410 bilhões em bens e serviços com os EUA. Portanto, não deveria sofrer aumento de tarifas, o que leva ambos países a uma situação de perde-perde e não contribui para o desejo norte-americano de equilibrar seu portentoso déficit comercial.
Não sendo possível nenhum acordo comercial que mantenha viável a continuidade de nossas exportações, restará a saída da busca de novos mercados, da diversificação de parcerias, redirecionamento de investimentos e da retaliação comercial. Para isso, já dispomos de uma Lei de Reciprocidade Econômica recentemente aprovada pelo Congresso Nacional e regulamentada por Decreto do Governo Federal. Ela autoriza o governo a retaliar países ou blocos que imponham barreiras comerciais a produtos brasileiros. Entre as medidas possíveis, o Brasil poderia impor restrições e sobretaxas na importação de bens e serviços, suspender acordos ou obrigações comerciais e, em casos excepcionais, suspender direitos de propriedade intelectual, como reconhecimento de patentes ou pagamento de royalties.
Apesar de a lei oferecer instrumentos legais para que o Poder Executivo, em coordenação com o setor privado, adote “contramedidas” em resposta a “medidas unilaterais que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira”, uma retaliação do Brasil pode provocar uma escalada na guerra comercial. Seria Davi contra Golias, já que os EUA são um parceiro de muito peso para o Brasil e, o próprio Trump, em sua carta a Lula, afirmou que “se por qualquer motivo você decidir aumentar suas tarifas, então qualquer que seja o número escolhido para aumentá-las, ele será adicionado aos 50% que cobramos”.
O ideal, portanto, é o Brasil lançar mão de sua diplomacia e de lobbies junto às suas contrapartes da sociedade civil norte-americana, dentre elas parlamentares e empresários, que façam chegar a Trump a mensagem de que a tarifa imposta ao Brasil os está prejudicando.
Mas uma coisa é certa. Sanções contra o Brasil só aumentarão a união nacional em torno da nossa soberania e da nossa política externa independente.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli
Leia: “A reunião do Brics no Rio de Janeiro“, de Adhemar Mineiro.