Sandra Day O’Connor presta juramento como a primeira mulher juíza na Suprema Corte dos EUA, em 25/09/1981 (Wikimedia Commons)

Sandra Day O’Connor foi a primeira mulher a tornar-se ministra da Suprema Corte dos Estados Unidos. Indicada em 1981 pelo então presidente Ronald Reagan, ela ocupou o cargo por quase 25 anos, até 2006.

Mas não é exatamente sobre ela que escreverei hoje.

Escreverei sobre Teresa Harris (ensino médio completo, dois filhos e uma avó doente para cuidar), contratada em 1985 como gerente de vendas na Forklift Systems, empresa de médio porte especializada no aluguel de equipamentos para construção, em Nashville/TN.

Num ambiente predominantemente masculino, Teresa desde o início foi reconhecida como uma ótima empregada, com talento nato para vendas, exercendo papel fundamental na duplicação de receita da empresa durante seu primeiro ano de casa.

Contudo, isso não a impediu de enfrentar problemas no ambiente de trabalho.

O principal sócio da empresa (Charles Hardy) frequentemente fazia comentários sobre as roupas e elogiava os corpos de suas empregadas. Uma vez, disse a Teresa que ela tinha a bunda de um cavalo de corrida e a aconselhou a jamais usar biquíni, “pois sua bunda é tão grande, que isso causará um eclipse e ninguém mais vai conseguir pegar sol”. Chegou a se aproximar de Teresa e, enquanto chacoalhava o dedo dentro do bolso da calça, disse “eu tenho uma moeda lá no fundo, quer pegá-la para mim?”.

Certa vez, chegou a sugerir que os dois deveriam dar uma volta e negociar aumento de salário num hotel (apesar de, na mesma ocasião, ter diminuído as comissões pagas a Teresa, sob a alegação de que “você faz dinheiro demais para uma mulher”). Charles propositalmente também deixava cair papéis e canetas no chão, e pedia que as mulheres se agachassem para pegar, fazendo comentários sobre qual estilo de decote lhes caía melhor, de acordo com cada tipo de seios. Ele diminuía a temperatura do ar condicionado no escritório, com a finalidade declarada de que aquilo fizesse o formato dos mamilos de suas empregadas aparecerem sobre a blusa.

Em reuniões, Charles por vezes interrompia Teresa dizendo “você é mulher, o que é que você sabe?”. Não raro, mandava que ela calasse a boca e a chamava de burra e idiota.

Teresa passou a sofrer de insônia e começou a beber. Foi ao médico, que lhe receitou calmantes e remédios para dormir.

Embora deixasse claro que as atitudes do chefe incomodavam e não eram bem-vindas, ela não conseguia impedir ou evitar as reiteradas humilhações.

Em agosto de 1987, chegou a pedir demissão, porém Charles se desculpou, disse que aquilo tudo sempre foi brincadeira “para que você se sentisse também como um dos meninos” e prometeu mudar radicalmente seus hábitos. Teresa aceitou as desculpas e desistiu temporariamente de deixar o emprego. O comportamento do chefe não mudou. Meses mais tarde, Teresa pediu novamente demissão e desta vez sem qualquer possibilidade de desistir.

Procurou, então, um advogado e ajuizou ação, sob a tese de que assédio sexual também constituiria forma de discriminação no emprego, prática vedada pelo Título VII do Civil Rights Act.

O ex-chefe quis encontrá-la, a fim de propor um acordo e pôr fim à ação. Um antigo colega de trabalho intermediou o encontro, ocorrido num restaurante local. Teresa propôs US$25.000,00 para um acordo, valor baseado nos meses em que permaneceu sem trabalho. Certamente, aquele valor superava o que Charles estava disposto a pagar. O encontro terminou com Charles ameaçando: “eu vou botar você no bolso no Tribunal”, enquanto Teresa retrucou “você não tá entendendo… vou levar isso até Sandra Fucking Day O’Connor!”

Embora os fatos narrados tenham sido comprovados nos autos, Teresa não obteve êxito perante a Corte Distrital (1ª instância) e perante a Corte de Apelações (2ª instância), que – embora tenham reconhecido que Charles era “um homem vulgar” que “humilhava empregadas no local de trabalho” – entenderam inexistir indicativos quanto à efetiva existência de sério abalo psicológico ou dano concreto à trabalhadora. Ressaltaram que as práticas reiteradas não haviam afetado o desempenho de Teresa em suas atividades laborais.

Com o mesmo advogado que a havia acompanhado desde o início, Teresa decidiu recorrer à Suprema Corte. Ao julgar o caso em 1993, a mais alta corte do país entendeu que, para a configuração do assédio sexual, bastava que a comprovada conduta fosse suficientemente severa ou generalizada a ponto de alterar as condições de emprego da vítima e criar um ambiente de trabalho abusivo. Finalmente, Teresa vencia.

A Suprema Corte determinou que o caso fosse novamente remetido à Corte Distrital, na qual o juiz estipulou à empresa o pagamento de US$151.435,00 relativos a salários não recebidos em virtude da saída antecipada decorrente do assédio sexual, além de taxas e honorários. Ordenou também que a empresa implementasse uma política de combate ao assédio sexual no ambiente de trabalho. Os advogados de Teresa não concordaram com o valor retroativo de salários calculado pelo juiz, porém, após serem procurados pelos advogados da empresa, celebraram um acordo cujos termos se mantiveram confidenciais.

Faltou apenas mencionar alguns importantes detalhes.

Na Suprema Corte, o caso foi decidido em favor de Teresa Harris por unanimidade de votos.

A relatora que redigiu a decisão? Ministra Sandra Day O’ Connor.

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Bibliografia de referência:

  • SULLIVAN, Charles A.; ZIMMER, Michael J. Cases and Materials on Employment Discrimination. 9 ed. New York: Wolters Kluwer, 2017.
  • THOMAS, Gillian. Because of Sex: One Law, Ten Cases, and Fifty Years That Changed American Women’s Lives at Work. New York, NY: St. Martin’s Press, 2016.

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