os verdadeiros saqueadores profissionais da cena política brasileira

Ilustração: Mihai Cauli

O Brasil está inóspito. Concluir isso não é original, mas não quero perder a capacidade de me espantar e esse artigo é um pouco isso, para lembrar que não podemos normalizar a escatologia. A sensação é de que a cerca com o limite do aceitável vai sendo empurrada mais e mais.

Todo brasileiro aprende desde o berço a se acostumar com absurdos cotidianos, nossa iniquidade histórica anestesia alguns e outros aprendem com ela conviver, mesmo lutando para mudar essa realidade, mas esses últimos anos estão sendo um teste existencial para quem não perdeu o senso crítico, imagino que aumentou muito o consumo de antiácidos e ansiolíticos.

Esses longos meses de pandemia, em especial, têm sido muito duros, mas não vou repetir os crimes cometidos por esse governo, são por demais numerosos e conhecidos e a CPI está revelando outros mais, como esse pavor chamado Prevent Senior.

Quero aqui justamente tirar um pouco o foco do personagem de terror sentado na presidência e apontar a luz para outros que também agem como saqueadores de uma cidadela conquistada e dominada chamada Brasil. Há outros bárbaros além da família Bolsonaro.

Tem os militares agindo como partido político e como piratas de cargos e benesses estatais, mais numerosos que os do Centrão. Tem o mercado financeiro jogando pesado na desregulamentação, na privatização e na alta da taxa de juros mesmo sem inflação de demanda, apenas para ganho rentista, como alertam muitos economistas sem espaço na mídia.

Tudo temperado com muita desinformação e ideologia na informação, uma mistura nefasta, nada de abrir espaço para visões distintas, somos a fortaleza do there is no other way tatcheriano, uma espécie de Albânia do neoliberalismo.

Vivemos uma inflação galopante, voltando a ser inercial depois de 20 anos, espalhada por toda economia, e um dos maiores responsáveis foi o governo do “estadista e constitucionalista” Michel Temer, o homem que recentemente saiu da caverna onde se encontrava para “trazer a estabilidade política”.

O governo Temer acabou com os estoques reguladores de alimentos, liberou a exportação sem garantir o abastecimento do mercado interno, soltou as rédeas do dólar sem qualquer visão sistêmica, tudo para benefício do novo ator econômico da classe dominante, o agronegócio exportador. É para acabar de acabar com a indústria, com o silêncio constrangedor da FIESP, afinal, os líderes da outrora fortaleza do conservadorismo, mas uma fortaleza que bem ou mal produzia, vivem de renda e não produzem sequer o alfinete popularizado por Adam Smith, no século XVIII.

Tudo made in China e made for China, o império do meio tem fome. Bolsonaro manteve isso aí, taokei, mas a obra é do “estadista” antecessor.

A monocultura avança, desmatamentos, incêndios e seca no Cerrado e na Amazônia, tempestades de areia entram na ordem do dia em cidades do interior paulista, mas tem quem comemore os resultados positivos da balança comercial.

E nessa semana tivemos mais um ataque dos bárbaros que gerem a Petrobras e dos que defendem a política infame de preços da empresa, a qual, como é notório, vincula automaticamente os preços internos de derivados à variação do preço do barril de petróleo, e ainda em dólar. Bilhões de investimento público, durante décadas, para beneficiar uns poucos acionistas privados da Petrobras e ainda assistimos os cínicos, como o governador Dória, falarem em privatização… mais privatizada do que está a estatal?

Lembro aos leitores que as famigeradas operadoras de planos de saúde têm limites legais para a ganância na hora do reajuste anual, os aluguéis têm limites, os medicamentos idem, enfim, por mais imperfeitos que sejam há critérios legais internos para os aumentos desses e de muitos outros preços na economia, só a Petrobras pode aumentar quando quiser, quanto quiser, afetando direta ou indiretamente o custo de vida de 220 milhões de brasileiros.

E o problema não é a Petrobras, mas dos saqueadores que dela tomaram conta acusando outros de serem saqueadores.

Artur Lira, em discurso de candidato majoritário, disse que a culpa da alta dos preços é do ICMS cobrado pelos Estados, o canal a cabo da Globo logo reverberou e o que era desinformação bolsonarista virou fato.

O ICMS é alto, sim, é um imposto absurdamente regressivo que incide sobre o consumo de itens essenciais, atingindo diretamente o pobre e a classe média, mas o modelo tributário aplicado à indústria de óleo e gás não teve alteração relevante nos últimos 20 anos. Então, não tem cabimento dizer que a alta do preço da gasolina é responsabilidade de um imposto que não muda há anos.

Isso mostra que não precisamos de Steve Bannon ou de Carluxo ou do gabinete do ódio para espalhar mentiras, eles são só o espantalho para desviar a atenção e permitir a ação dos outros saqueadores, aqueles de quem por vezes nos esquecemos porque focamos apenas em Bolsonaro.

E que “bom” seria se tivéssemos certeza de que os saqueadores acabariam de raspar o tacho e sairiam de fininho, ao menos teríamos uma perspectiva após a destruição, uma esperança de que “só” temos que suportar mais um longo ano, mas não, eles querem continuar com o saque em 2023 e nos anos vindouros.

Por vezes tenho a sensação de que Bolsonaro é apenas um prestidigitador involuntário, mantido em cena para desviar a atenção dos saqueadores profissionais, aqueles que não recorrem a esquemas baixos de propinas de laboratórios, rachadinhas e outras vulgaridades. Os profissionais saqueiam amparados na lei, têm juízes e promotores ansiosos por frequentarem os mesmos ambientes que eles, não por prendê-los.

Concluo este breve artigo alertando afetuosamente aqueles que, na esquerda, defendem a frente política ampla (também defendo, só duvido que o outro lado queira), que a arquitetura dessa realidade dantesca que vivemos não é obra apenas de Bolsonaro e não convive com a democracia, não se sustenta na democracia, então, é bom olhar para além do prestidigitador e seus alucinados seguidores.

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