Saudáveis práticas

O diretor Renato Terra (Narciso em Férias) fez, na Ilustrada da Folha de São Paulo de 16 de maio, uma saudável ironia sobre o narcisismo nas redes: “Não sou aquele saudosista que diz: ‘ah, que saudade da época que o Instagram era pra postar fotos bonitas’. As coisas mudam. Hoje as pessoas querem interagir com quem tá na área VIP da vida. Todo conhecimento e aprendizado que as gerações passadas tiveram até aqui não vão te trazer mais likes”. Para alguns, o que importam são os números de likes e seguidores. Tudo volátil. Sempre lembramos de um post que vimos não sabemos onde. Nem temos como voltar a ele. Tudo frenético e passageiro. Como a vida. Mas como fazer para que as conquistas, inspirações e saberes não nos escapem? Nem aos pósteros? Para isso, temos os museus, os arquivos de vídeos, as novas ferramentas de curadoria. Mas também as ferramentas tradicionais. Exemplos são o rádio, imortal, diverso, prático e universal. O jornal, cujas edições digitais e impressas fazem curadorias que vão ficar. Os livros e journals nas bibliotecas mundo afora. Mas o desafio persiste, dada a força do efêmero e do narciso nas redes.

Vejo em países por onde andei algumas possíveis soluções que passam por mudanças de atitudes e valores. Os governos podem muito, mas não podem tudo. Tendemos a cobrar dos governos a solução de todos os problemas. Mas e a nossa parte? Nos EUA, visitei universidades que souberam criar um ambiente para facilitar o aproveitamento das inovações científicas pelo mercado. Como na incubadora de empreendedorismo do MIT. Na Inglaterra, vi a sociedade se mobilizar para preservar instituições como o National Health Service e a rede pública de ensino. No Sertão de Pernambuco, vi uma rede de ONGs como a ASA defender o direito à água no semiárido nordestino. Em Osaka, no Japão, a Expo 2025 tem um stand sobre boas práticas (novos métodos de descartes, preservação dos oceanos, recuperação de ambientes degradados, próteses para amputados, treinamentos para emergências, limpeza de águas). E outro sobre a cidade do futuro com soluções que independem dos governos.

É também no Japão que se combinam o conhecimento das gerações anteriores com as inovações do hoje. Uma cultura milenar de aprendizado sobre as conquistas que possibilitaram o presente. Conquistas tecnológicas que não se fizeram às custas do desprezo pelo saber passado. Alguns exemplos dessa sábia combinação: diferente do Ocidente, o Japão tem banheiros públicos gratuitos em todos os lugares, algo que denota respeito, sobretudo aos idosos e pobres que mais precisam desse equipamento. Todos têm asseio impecável, que não vemos em muitas das nossas residências e com uso de tecnologias que permitem ao usuário se sentar num toilete aquecido, com chuveirinhos internos que reduzem o uso do papel. O mesmo nos restaurantes, hotéis e parques. A economia de papel e plástico é um capítulo à parte, centrada na preocupação ambiental. Todos levam sua própria toalha. Não tem lixeira nas ruas e nos estabelecimentos. O pressuposto é que todos devem levar seus lixos para casa e organizarem a disposição seletiva. Todos fazem a sua parte para evitar o desperdício e os danos ambientais de outros modelos como o do consumismo irresponsável americano. Assim como mantêm o silêncio nos transportes e logradouros públicos. Mesmo em ambientes aglomerados, não se escuta a barulheira que, entre nós, é vista como sinônimo de “felicidade”. A alimentação saudável é difundida. Quase não se avistam pessoas excessivamente obesas, com ganhos para o sistema de saúde.  O cumprimento das regras em sociedades como a alemã, a inglesa e a japonesa é aceito por (quase) todos como algo que resulta em benefícios recíprocos. São atitudes das pessoas, independem dos governos. Trata-se de um outro modelo de organização social: menos desperdício, menos consumismo, menos exibicionismo. A austeridade como um valor em si. Aquela cena do rico americano arrogante e exibido é muito mais difícil de encontrar na Alemanha ou no Japão, assim como a atitude arrogante de alguns jovens. Assim como o excessivo narcisismo das redes sociais bem ironizado por Renato Terra. A lista das diferenças e do que temos a aprender com outros povos, infelizmente, é muito mais longa.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e Revisão: Celia Bartone
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