Passadas as emoções do primeiro turno das eleições, vamos para o segundo turno das eleições presidenciais brasileiras em voo cego.
Explico: as pesquisas eleitorais no país, em especial as do IPEC e do Datafolha, mais prestigiadas, sempre costumaram servir de bússolas orientadoras do acompanhamento das campanhas eleitorais no Brasil. Podiam errar, e muitas vezes o faziam, mas ao menos serviam como elemento de orientação.
No primeiro turno eleitoral, tivemos cerca de 123,7 milhões de votantes, dos quais 4,4% votaram nulo ou branco, perfazendo 118,2 milhões de votos válidos. Isto de um total de eleitores registrados de 156,5 milhões, ou seja, tivemos cerca de 21% de abstenção. Esta inclui eleitores para os quais o voto é opcional (eleitores entre 16 e 18 anos, e com mais de 70 anos, que resolveram não votar), eleitores que morreram e não foram retirados da lista de votação, eleitores fora de seus locais de votação e que devem justificar ausência, e eleitores que optaram conscientemente, por qualquer motivo, por não participar do processo.
Sobre os votos totais, sem tirar os nulos e brancos, as últimas pesquisas (do dia 01/10) dos dois institutos citados apontavam as seguintes estimativas: para o IPEC, Lula 52% contra Bolsonaro 37%. Para o Datafolha, Lula 48% contra 34% para Bolsonaro. O resultado final (sobre votos totais, para manter a comparação) deu Lula 46% contra 41% de Bolsonaro. Ou seja, tomada uma margem de erro de dois pontos percentuais, o Datafolha acertou o percentual de Lula e errou (bastante!) o de Bolsonaro (subestimando-o), enquanto o IPEC errou ambos, superestimando o desempenho de Lula e subestimando o de Bolsonaro.
A partir daí se instalou um certo debate sobre o ocorrido. Algumas possibilidades foram levantadas, como falta de atualização dos dados do Censo (o que impede, por exemplo, de conhecer melhor a real distribuição dos eleitores por renda, ou por escolha religiosa, o que poderia influenciar muito a amostra das pesquisas, complicando o resultado), a má vontade de parcela do eleitorado em responder pesquisas eleitorais (em especial, parte do eleitorado bolsonarista), ou outros fatores que pudessem influenciar as pesquisas, como o chamado “voto envergonhado”, em que o eleitor não assume o voto que de fato vai dar na urna eletrônica.
Outra possibilidade é a presença das pessoas nas redes sociais: a enorme capacidade do bolsonarismo de atuar nessas redes poderia ter “virado” uma quantidade grande de votos de eleitores, de diversas maneiras, entre a tarde de sábado (as pesquisas fecharam as entrevistas no meio da tarde de sábado) e a manhã de domingo.
De fato, como todos se concentraram na campanha do segundo turno logo após o fim do primeiro turno eleitoral, é provável que esse debate só se faça mais a sério e com dados mais precisos a partir do final das eleições desse ano, e só aí possamos chegar a conhecer de fato (ou não) o que aconteceu. Enquanto isso, os institutos vão ser caracterizados em seu desempenho ao gosto do freguês, permitindo, por exemplo, que o setor menos afeito ao conhecimento científico que as pesquisas estatísticas podem representar (no caso, o bolsonarismo) possa destilar toda a sua raiva contra os resultados dos institutos, e muito a seu gosto, passe a achar que pode estimar qualquer resultado.
O fato é que, sem poder tomar muito as pesquisas como base, vamos partir para esse segundo turno eleitoral em uma espécie de voo cego, sem muita orientação a respeito de como as coisas estão, o que complica muito o planejamento das campanhas.
Assim, parece como mais razoável supor que, dada a polarização e a longa campanha, o voto esteja bastante cristalizado, e seja complicado para Bolsonaro tirar uma diferença, em números, de pouco mais de seis milhões de votos bastante sedimentados (vale lembrar que Lula ficou a 1,6% de votos válidos de ganhar a eleição no primeiro turno). A movimentação das campanhas no início do segundo turno, com a campanha de Lula focando suas ações sobre o setor evangélico (onde Bolsonaro tem ampla vantagem), enquanto Bolsonaro foca suas ações sobre o Nordeste (que aparenta ser um reduto fiel a Lula) mostra que os dois lados privilegiam antes fazer estrago no adversário do que buscar mais ativamente falar para os mais de 20% de eleitores que, pelos mais variados motivos, se abstiveram. Se for por esse caminho, o tom das campanhas só vai subir. Teremos uma campanha “sangrenta” e provavelmente debates eleitorais não menos conflitivos. A ver, mas seguramente o país sairá dessa disputa em um processo de clivagem ainda maior.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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