Seu Américo não entende muito do que lê e ouve por aí. Está preocupado com o futuro. Acha que no presente tem muita coisa errada. Seu Américo é do tipo contra tudo isso que está aí sem saber muito bem o que está aí, aqui ou acolá.

Não é nem de direita, nem de esquerda. Diz que é de centro, mas por não saber exatamente o que é a direita e nem a esquerda, também fica sem referência para saber onde fica o centro. Para Seu Américo, direita e esquerda são iguais. São todos radicais.

Acha que sabe das coisas mas, por só achar, também acha que não sabe. Fica confuso com o que vê na TV e no celular. Vê e acredita. Depois vê o contrário e acredita também. E por saber que desacreditou-se do que antes acreditava, também não acredita em nada. No seu mundo, verdade e mentira dançam coladinhas.

Viu do sujeito engravatado e jeito despreocupado de falar que o presidente precisa ficar quieto, que ele não pode falar de coisas da política porque deixa o mercado nervoso. E o mercado fica nervoso fácil e sempre.

Noutro canal, viu outro sujeito, sem gravata e paletó, com ar confiante e discurso cheio de palavras em inglês – uma das poucas certezas que Seu Américo tem na vida é que gente que fala inglês é especialista no que diz, seja lá o que disser – dizer que o dólar subiu não só no Brasil, mas em outros 42 países. Concluiu que o que o presidente fala assusta o tal do mercado em todos os cantos.

Recebe do seu grupo de amigos do clube vários vídeos com títulos espetaculares. Um deles dizia que Fulano, que ele não conhecia, humilhou Beltrano, que ele também não conhecia. Viu e reviu o vídeo. Não viu nada de humilhante. Mas entendeu que ele é que não entendeu o vídeo e que tem muito mistério neste mundo que só uns poucos sábios – que certamente falam inglês – têm a coragem revolucionária de revelar.

Noutro, encontrou um destes sábios revolucionários. Revelava os segredos da riqueza. Aqueles que ninguém contou para Seu Américo até aquele dia. Assistiu. Gostou. Era só um aperitivo. Para saber dela de verdade, era preciso pagar por um curso. Era caro. Pagou. Seu Américo acha que segredos para ganhar dinheiro devem custar caro mesmo. Aprendeu que tem que mudar um tal de maindiséti. Coisa de americano. Americanos são sabidos, concluiu Seu Américo.

Enquanto não consegue mudar o maindiséti, vira-se como pode, em português mesmo. Viu outro que dizia que não existe pobreza que resista a 18 horas de trabalho por dia. Concluiu que essa gente que fala de direitos é preguiçosa.

Na TV viu uma menina que teria idade para ser sua filha – talvez, neta – dizia que para mudar a vida era preciso votar com consciência. Menina sabida, pensou. E pensou em votar para prefeito e vereador em gente que nem ele, sem radicalismos de esquerda ou direita.

Encontrou seus candidatos num grupo de gente rica de sua cidade. Que deve ter ficado rica porque mudou o maindiséti e trabalha 18 horas por dia. Que dizem o que os jornalistas dizem que tem que dizer para não assustar os mercados. Que são contra tudo isso que está aí. Que nem deixam os opositores falarem de tão humilhantemente corajosos que são. Que se dizem conservadores, religiosos, de família, como Seu Américo também diz que é.

Mas no fundo, no fundo, Seu Américo não tem tanta fé assim nesses políticos. Vota por votar. Ele pensa que as coisas por aqui só vão melhorar depois que todo mundo aprender inglês e virar americano.

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Ilustração: Mihai Cauli  
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