
Há exatos 30 anos, em novembro de 1995, teve início um dos mais midiáticos relacionamentos sexuais da história contemporânea. Um escândalo de dimensões planetárias, pronto a demonstrar o tamanho da província e a pequenez das existências. Em julho daquele ano, uma nova estagiária foi contratada para trabalhar na Casa Branca. Tinha apenas 22 anos de idade quando começou a servir no palácio presidencial. Não há quem não tenha pelo menos ouvido falar da história na qual se viu envolvida aquela moça, cujo nome é Monica Lewinsky. Bill, o homem casado que involuntariamente a introduziu na cena pública mundial, era 30 anos mais velho. Ele foi também o último presidente dos Estados Unidos no século XX e um dos mais bem sucedidos de sua linhagem.
Bill e Monica mantiveram um relacionamento secreto durante quase dois anos. Até que, em 1998, uma colega de trabalho de Monica no Pentágono (para onde Monica havia sido transferida) dedurou o romance, levando o caso a um procurador chamado Kenneth Starr, que investigava Clinton (Bill) por um caso que nada tinha a ver com o relacionamento secreto do casal.
A partir dali, o mundo inteiro veio abaixo pela revelação do boquete praticado entre Monica e Bill. Dada a forma como veio a público, parecia ter sido esse o alcance do envolvimento sexual entre os dois, por mais estranho que isso possa ser – um envolvimento (guardemos essa palavra, que voltará no final do artigo) sexual entre dois adultos que se estende por mais de 700 dias e não passa do boquete talvez tenha algo de realmente excepcional e, portanto, merecedor da atenção da distinta audiência. Sem deixar de lembrar, no entanto, que um boquete, até onde consigo compreender, é não mais que apenas uma das infindáveis e geralmente sublimes maneiras de realizar essa coisa poderosa chamada sexo – um dos seus possíveis momenta.
Questionado no processo comandado pelo procurador Starr, o presidente Bill Clinton garantiu: “Eu não tive relações sexuais com aquela mulher, a senhorita Lewinsky” (“I did not have sexual relations with that woman, Miss Lewinsky”). Desgraçadamente para o depoente, havia a denúncia gravada pela colega de trabalho da senhorita Lewinsky e, o que era definitivamente comprometedor, um vestido azul guardado talvez como lembrança, no qual havia vertido umas tantas gotas do seu sêmen. Ou, como consta do relatório do procurador: “O vestido azul contém sêmen que corresponde ao perfil de DNA do presidente Clinton” (“The blue dress contains semen that matches the DNA profile of President Clinton”).
Uma das consequências foi que, em dezembro de 1998, a Câmara dos Deputados aprovou o impeachment do presidente pelos crimes de perjúrio (mentir sob juramento) e obstrução da justiça. Dois meses depois, o senado, com maioria Democrata, atropelou a resolução da Câmara absolvendo Bill – que, afinal, pôde cruzar a linha invisível que separa o século XX desse até agora glorioso XXI ainda como presidente dos americanos.
Para muito além do mais que saudável desejo sexual, o popular tesão (horny, na língua do casal em foco), para o qual não deveria haver interditos morais nem de nenhuma outra natureza, o que está e deveria estar em questão é não apenas a mentira – que pretende esconder e negar o direito ao gozo -, mas a hipocrisia. O que o pecadilho de Bill deveria colocar em tela de juízo é ou deveria ser o moralismo hipócrita que tenta mascarar ou obstruir o desejo. Portanto, o pecado maior que o Excelentíssimo Senhor Presidente cometeu não foi mentir (sob juramento), mas mentir para compactuar e se submeter às indecentes aparências atrás das quais se escondem seus semelhantes – nós.
Além de mentiroso confesso, o ex-presidente Bill Clinton pode ser considerado um homem de sorte. Iniciou seu primeiro mandato, em 1993, com o massacre dos membros de uma seita religiosa em Waco. A ordem para a utilização de blindados das forças armadas contra civis foi assinada pela recém-nomeada procuradora-geral Janet Reno e resultou na morte de 82 pessoas, entre as quais 25 crianças. Ao reconhecer publicamente sua responsabilidade, livrou-se de qualquer responsabilização legal. Tanto ela, quanto seu chefe, passaram impunemente pelos assassinatos cometidos sob o manto de suas autoridades.
Como mentiroso, Clinton seguia uma tradição da Casa Branca, que não começou com ele, tampouco teve fim ao término do seu reinado – encurralado, reconheceu que mentiu e, nesse momento, se apartou dessa tradição, já que nenhum dos outros presidentes que sabidamente também mentiram foi forçado a tanto.
Com tudo isso, é inevitável lembrar que, ao contrário do popular boquete, a pedofilia e a exploração sexual de menores – praticados sistematicamente ao longo de anos pelo casal Jeffrey Epstein e Melaine Maxwell, de quem Trump era amigo íntimo, se não cúmplice – são não apenas crimes, mas interditos absolutos sob quaisquer pontos de vista e em qualquer comunidade humana. E é disso que se trata agora. É essa a tipologia humana com a qual está metido o atual Imperador.
Enquanto isso, no fim das contas, a distinta e honrada opinião pública assiste e faz questão de se mostrar revoltada com o trivial e o definitivamente desimportante, ao mesmo tempo em que faz de conta que não vê os mais indecorosos atos criminosos cometidos sob o amparo da Lei, abertamente ilegais, ou sob o manto protetor dos que comandam o Estado.
Outro tipo de envolvimento
A frase que é repetida a torto e a direito, por gregos e troianos, sempre na mesma formulação “o envolvimento dos EUA na Guerra do Vietnã”, esconde uma mentira. É como se anunciasse uma espécie de participação involuntária ou algo acidental numa situação à qual se é alheio. Um acaso. E a verdade, como sabem gregos e troianos, é outra.
A guerra no Vietnã foi uma construção dos pés à cabeça dos próprios americanos.
Foram eles quem, desde o princípio, para recuperar o que os franceses haviam perdido em Diên Biên Phù e manter a tradição do mandonismo colonial, inventaram a divisão entre Norte e Sul. Foram eles quem, desde o princípio e para manter sua influência na Indochina, instalaram os governos títeres no Sul, primeiro com Ngô Dình Diêm – que recusara as eleições para a unificação do país, sabedor da previsível vitória de Ho Chi Mihn – e depois, após sua deposição e assassinato, nos quais estiveram diretamente envolvidos, com a estabilização imposta em torno de Nguyen Van Thieu.
Portanto, falar do seu envolvimento na guerra no Vietnã é uma maneira muito eufemística para se referir à sua arrogante intervenção na antiga Indochina Francesa – não contentes com a terra de Ho Chi Minh, lançaram seu poderio bélico também contra o Laos e o Camboja, deixando um número de vítimas digno dos mais bestiais assassinos. Cerca de 350 mil civis perderam a vida no Laos, e 600 mil no Camboja. Apenas entre os anos de 1968 e 1972, “os Estados Unidos deixaram cair quase 4.500.000 toneladas de explosivos na Indochina. (A estimativa total do Pentágono para a tonelagem utilizada em toda a Segunda Guerra Mundial é de 2.044.000.)” – escreve Christopher Hitchens em O Julgamento de Kissinger.
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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