Este artigo é fruto de um exercício de análise realizado com o apoio do ChatGPT, sob orientação de Antonio Prado, com o objetivo de aplicar categorias desenvolvidas por Hannah Arendt, especialmente em “Origens do Totalitarismo”, à prática política de Donald Trump. O propósito não é classificar o trumpismo como um regime totalitário pleno, mas investigar, à luz da teoria arendtiana, se ele expressa traços típicos de processos que corroem as democracias a partir de dentro — fenômeno com ressonâncias preocupantes em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil.
Ideologia totalizante e mentira sistemática
Hannah Arendt destacou que os regimes totalitários constroem realidades alternativas, em que os fatos objetivos são substituídos por narrativas ideológicas, e a mentira sistemática se torna uma ferramenta política.
No caso de Trump, esse traço aparece de forma cristalina:
– A negação da derrota nas eleições de 2020, a disseminação da teoria conspiratória do “roubo eleitoral” e o movimento “birther” contra Barack Obama revelam uma relação instrumental com a verdade.
– O uso do termo “fatos alternativos” por sua equipe, aliado à disseminação de desinformação sobre a pandemia de COVID-19, ilustra o abandono deliberado da objetividade factual.
– Seus apoiadores, em grande parte, habitam um ecossistema informativo paralelo, alimentado por redes sociais, a Fox News e plataformas de extrema direita.
Nesse ambiente, a mentira não é exceção, mas método — uma forma de dominação discursiva que desarma o pensamento crítico e consolida identidades políticas.
Massas atomizadas e ressentimento
Segundo Arendt, o totalitarismo encontra terreno fértil quando as massas estão isoladas, desorganizadas e ressentidas. Nessa condição, tornam-se vulneráveis à sedução de movimentos que oferecem pertencimento e identidade em troca da abdicação da autonomia crítica.
Trump mobiliza um segmento da população composto majoritariamente por brancos da classe trabalhadora afetados pela globalização e pela perda de status cultural. Ele fornece a essas massas uma narrativa dicotômica: patriotas contra elites, imigrantes, jornalistas e a “esquerda globalista”.
Em vez de apresentar soluções concretas, oferece identidade. Em vez de reconhecer a complexidade do mundo, oferece alvos fáceis para o ressentimento — um expediente clássico das políticas de massa totalitárias.
Desprezo pelas instituições e pelo Estado de Direito
Arendt observou que o totalitarismo nasce da corrosão deliberada das instituições republicanas e da substituição da legalidade por uma lógica de lealdade pessoal ao líder.
Trump frequentemente atacou órgãos institucionais, como o FBI, o Departamento de Justiça e o Congresso, exigindo lealdade pessoal em detrimento da institucional. Contestou o resultado eleitoral, pressionou autoridades estaduais a “encontrar votos” e, em 6 de janeiro de 2021, incitou a invasão do Capitólio — episódio emblemático da tentativa de ruptura institucional.
Adicionalmente, ameaçou usar o Exército contra manifestações internas e elogiou ditadores como Vladimir Putin e Kim Jong-un, apontando uma afinidade com formas autoritárias de poder.
Liderança carismática acima da lei
No pensamento arendtiano, o líder totalitário se apresenta como encarnação da “vontade do povo”, posicionado acima da lei e da moralidade convencional.
Trump cultiva essa imagem. Ao proclamar “Only I can fix it” (“só eu posso consertar isso”), coloca-se como salvador da pátria. Ridiculariza adversários, deslegitima a imprensa (“inimiga do povo”) e se recusa a aceitar qualquer responsabilização judicial.
Seus seguidores, por sua vez, reinterpretam as acusações criminais como perseguição política. O líder torna-se, para eles, a própria verdade. O que importa não é o que é dito, mas quem diz.
Criação de inimigos internos
Arendt demonstrou que os regimes totalitários necessitam da fabricação contínua de “inimigos objetivos” — elementos internos à sociedade que devem ser combatidos para preservar a pureza do grupo.
A retórica de Trump identificou diversos alvos: imigrantes mexicanos, muçulmanos, jornalistas, acadêmicos, democratas, juízes. Sua política de banimento migratório e separação de famílias nas fronteiras foi acompanhada de discursos inflamados que evocavam o medo e o ódio.
Sob o lema “America First”, emergiu uma forma de nacionalismo agressivo, com traços xenófobos, nativistas e autoritários. O inimigo não está mais do lado de fora — ele está entre nós.
Conclusão: o aviso arendtiano
“O totalitarismo não precisa de fanáticos. Precisa de pessoas que desistiram de pensar.” (Hannah Arendt)
A análise arendtiana sugere que, embora Trump não tenha instituído um regime totalitário nos Estados Unidos, sua liderança atua como catalisadora de tendências profundamente perigosas:
- Incentiva a desinformação e a antipolítica;
- Erosiona a confiança nas instituições democráticas;
- E transforma ressentimento, mentira e medo em base de mobilização política.
Esse padrão, embora enraizado na realidade dos EUA, ecoa de forma inquietante em outros contextos. O bolsonarismo, no Brasil, apresenta semelhanças estruturais com o trumpismo: a construção de uma verdade alternativa, a mobilização do ressentimento social, o ataque sistemático às instituições republicanas, o culto à personalidade e a invenção de inimigos internos — sobretudo os movimentos sociais, jornalistas, professores, indígenas, artistas e ministros do Supremo Tribunal Federal.
Ambos os movimentos operam como sintomas de um mal-estar democrático mais profundo: a perda da confiança mútua, o colapso dos espaços de deliberação pública e o abandono do pensamento crítico em favor de mitos salvacionistas. Como advertia Arendt, o maior perigo à liberdade não é o inimigo externo, mas a complacência interna — o momento em que deixamos de pensar por conta própria.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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