O novo sujeito social que emerge da transição da sociedade industrial para a de serviços no Brasil marca a sua entrada em cena política durante a explosão de rebeldia em 2013. Imediatamente se tornou possível perceber o quanto se diferenciava na forma e prática do tradicional sujeito social da sociedade urbana e industrial.
Distanciou-se, por exemplo, das agremiações convencionais de representação de interesses como partidos, sindicatos e organizações sociais. Apresentou espontaneamente uma agenda própria da era digital, diferente da pauta habitual, revelando sua desilusão com as instituições assentadas na era industrial.
Constituiu, nesse sentido, um modelo novo de atuação e referência global. Nas manifestações de 2013, por exemplo, a organização e mobilização desencadeadas por redes sociais atraíram segmentos sociais diversos, e sua reivindicações por investimentos públicos em saúde, educação e segurança pública de padrão FIFA criaram um outro marco para as reivindicações, diferente das pautas da era industrial.
A sobrevivência na era digital é central na vida deste novo sujeito social, mas seu trabalho diário o expõe ao desamparo e ao desafeto, pois não lhe confere uma identidade e um pertencimento coletivo. Seu cotidiano é de constrangimento diante da violência social e da expropriação econômica. Seu trabalho, dito autônomo, na verdade se encontra submetido às imposições de um capitalismo de despossessão, que afeta seu coração e mente.
Diante deste fenômeno dos tempos atuais, a direita e a esquerda brasileiras adotaram caminhos distintos. A esquerda, em geral, tendeu a se concentrar mais na retórica da negatividade, onde ressalta a violência social e a expropriação econômica desta nova inserção na sociedade. Seu discurso valoriza as lutas e conquistas de outros tempos, como se a recuperação do passado fosse uma resposta concreta aos problemas de hoje deste ator sem vínculos. A direita, principalmente a extrema direita, oferece um futuro distinto, propõe um rompimento com o passado, e com isso sugere romper com a política tradicional. Esta retórica contrária às formas e práticas da política existente até então, acaba aproximando-se da perspectiva antissistema intrínseca ao curso do novo sujeito social.
O governo Bolsonaro optou por inverter o tempo de espera em favor das condições necessárias que possam, de fato, possibilitar a conclusão do golpe de Estado contra a democracia, iniciado em 2016. Ao contrário do ciclo político da Nova República (1985-2015), por exemplo, quando o tempo de espera atuava contrariamente à efetividade da política de realizações governamentais.
Assim, a imposição restritiva das ações focadas fundamentalmente no plano das emergências das realizações governamentais, cuja lógica do curtoprazismo comprometia, ou mesmo fazia fracassar a implementação de projetos grandiosos. Cabe lembrar, por exemplo, a rigidez expressa na emergência do tempo presente durante o governo Sarney (1985-1990), quando ele não fez o que tinha de fazer para dar curso ao inicialmente exitoso Plano Cruzado, pois priorizou as eleições para a Assembleia Constituinte, em 1986.
Da mesma forma, em 1994, em plena emergência da implantação do Plano Real no final do governo Itamar (1992-1994), o governo acabou contaminado por outra prioridade, as eleições presidenciais daquele ano. O próprio exercício da política de transferência de renda no governo Lula (2003-2010), uma vez que abandonou o programa Fome Zero, substituído pelo Bolsa Família, decorreu do impasse temporal que resultou da intensa reação conservadora dos governos locais.
Nos dias de hoje, o tempo de espera opera em favor de Bolsonaro, que jamais negou que para governar precisaria antes, destruir. Ou seja, um mandato presidencial constituído para não governar, fundado na retórica de que o país estaria ingovernável pelas restrições ao governo impostas pelo cerceamento democrático assegurado pelo STF, legislativo, burocracia estatal, governadores, imprensa e outros.
Nos dois primeiros anos de governo, a decadência econômica e social nacional só se aprofundou, indicando que possivelmente não será diferente em 2021. Assim, Bolsonaro conta com o tempo da espera a seu favor, indicando que a aposta em torno do caos em progresso no país toma corpo a própria estratégia golpista.
Somente com as condições livres para governar (ditadura) é que o governo Bolsonaro poderia deter o caos que ele mesmo fomenta.
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