The Brazilian

Não pintou o cabelo por não saber o nome da cor certa. Também, de pouco adiantaria sem um topete graúdo como de seu admirado. Fantasiou-se como pôde. Terno azul, camisa branca e gravata vermelha. Para não deixar dúvidas capilares, um boné vermelho com “Make America Great Again” escrito em letras brancas como a suposta cor de sua pele.

Queria muito mostrar por fora o que sentia por dentro. Só porque o que há por dentro é difícil de se ver. E ele sentia que guardara muita coisa por dentro por muito tempo. Agora, quer pôr tudo para fora de si. Quer fazer do mundo a imagem interior de si. Quer um mundo com gente “de cor” no seu lugar. Com mulheres no seu lugar. E com todos os tipos de gays em lugar nenhum.

Agora, sente que pode até gritar, com alegria e ânimo, o que muitos dizem ser ódio. Mas que ele não acha que é ódio, porque discrimina com desejo de discriminar. Porque magoa com felicidade em entristecer. Ódio mesmo sente só do que chama de ditadura cultural, porque aprendeu a chamar assim quaisquer ideias que levem a respeitar gente que ele acha que não deveria ser respeitada como igual.

Nas ruas, mostra com orgulho seu voto na eleição em que não pode votar. Exala o patriotismo de uma pátria que não é sua. Sente-se igual a um povo que não se sente igual a ele. Já quanto à pátria e povo que são seus, a coisa é diferente.

Diz de si mesmo patriota, mas a pátria que diz amar não é a pátria em que vive, mas a que gostaria de nela viver. Uma pátria onde cada um se colocaria no seu lugar. Onde a lei do Estado valeria de um jeito para ele e de outro jeito para os outros. Uma pátria sem corrupção em que o sucesso viria do mérito que, por força da natureza estampada na cor de sua pele, acha que tem.

Na rua, alguns riam dele. Outros lhe tacavam olhares irônicos. Havia também os que sorriam e o abraçavam como quem abraça o torcedor desconhecido ao lado na hora em que seu time faz gol. Não lhe importava quantidades, os que lhe cumprimentavam já era o suficiente para ter certeza de que todos pensavam como ele.

Os risonhos e irônicos não faziam parte do todo. Na verdade, não faziam parte de nada para ele. Ou faziam parte de um nada no qual ninguém importava. Era gente burra, manipulada pela mídia, doutrinada por universidades, comunista corrupta e criminosa, iludida, era qualquer coisa, exceto gente que poderia ter razão, exceto gente que conta.

Uma destas pessoas lhe perguntou porque estava vestido assim. Explicou do seu jeito. “Mas você não é americano!”, retrucou o perguntador. “Com certeza, comunista”, pensou. Na certeza do sonho de grandeza americano ser seu também, não cabe a incerteza. Desconversou, porque no fundo não sabia o que responder. E deu para si a coisa por respondida.

O sujeito insistiu. “E Bolsonaro?”. A pergunta lhe desceu amarga. “É, tem ele”, disse mais para ganhar tempo do que para responder. Estava magoado com o Capitão, com seus militares, com toda aquela gente que queria golpe de Estado e recuou amedrontada. Foram corruptos ou fracos e fraqueza é, para ele, uma forma de corrupção do caráter. Coisa inadmissível para quem mostrou tanta coragem de bravatear no passado.

A falta de golpe o desencantou com o Brasil. A força da corrupção, do comunismo, do globalismo cultural era grande demais. Por dentro não teria mais jeito. Jeito agora, só vindo de fora. Só da América que, tornada grande de novo, poderá, finalmente, tornar minúsculo o Brasil para nascer em sua terra o Brazil que tanto deseja.

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Ilustração: Mihai Cauli
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