White Lotus mostra como a riqueza pode ser como uma droga

Ilustração: Mihai Cauli

The White Lotus é uma série de seis episódios lançada pela HBO em julho de 2021, alcançando rapidamente sucesso de público e de crítica. A série na verdade funciona como minissérie, tendo personagens com arcos contidos nos seis episódios da trama, havendo pouco espaço para extrapolar para além disso. Porém, o sucesso foi tanto que a minissérie acabou por ser renovada, transformando-se assim em série, podendo ser vista como uma espécie de antologia. O criador Mike White já confirmou que terá uma segunda temporada em 2022, porém, com novos personagens e uma nova locação. Assim, vale a pena sublinhar o caráter contido da trama, que fecha a história de seus personagens nos seis episódios em questão.

Em tom de sátira, a trama acompanha as férias de hóspedes milionários em um hotel paradisíaco no Havaí, desenredando as relações entre eles e com os funcionários do hotel. Entre os personagens principais estão os recém-casados Shane Patton (vivido por Jack Lacey) e Rachel (Alexandra Daddario). Rachel já está em crise desde os primeiros episódios, questionando o seu casamento com o marido arrogante e endinheirado, e vendo suas ambições profissionais caírem para o segundo plano. A série conta também com Tanya McQuaid (vivida pela engraçada Jennifer Coolidge, famosa pelos filmes American Pie), desesperada e solitária, buscando jogar as cinzas de sua falecida mãe nos mares do Havaí.

O núcleo mais interessante é o composto pelo casal Nicole Mossbacher (Connie Britton, da antiga série Nashville) e Mark (Steve Zahn), com os filhos Quinn (Fred Hechinger) e Olivia (Sydney Sweeney, da série de sucesso entre os adolescentes da Geração Z, Euphoria), que leva sua amiga Paula (Brittany O’Grady) para a viagem. A relação entre os membros da família é muito bem construída, havendo momentos de aproximação e distanciamento. Nicole Mossbacher, mulher de sucesso e CEO de empresa, alterna entre a profissional bem-sucedida, quebrando barreiras de gênero, e a milionária auto-centrada, sem perspectiva sobre o sofrimento dos outros, incluindo sua própria família.

Mark Mossbacher é o homem em crise da meia idade, sem saber onde se encaixa e como acompanhar a esposa, que ganha muito mais do que ele e que vive preocupada com o trabalho. O filho Quinn é o adolescente grudado no videogame, mas que depois busca novos interesses. As amigas Olivia e Paula são também muito interessantes de assistir, mostrando facetas diferentes ao longo dos episódios.

Os funcionários do hotel são o gerente Armond (Murray Bartlett) e a funcionária do spa Belinda (Natasha Rothwell, da maravilhosa série Insecure). Outros funcionários aparecem ao longo dos episódios, mas esses são os que interagem de forma mais crítica com os hóspedes. Armond tenta se manter impecável, mas ao longo da trama acaba por se perder em suas questões do passado. Belinda se mostra como forte e promissora, mas bastante ingênua quando se trata de sua relação com os hóspedes.

Além deles, o funcionário havaiano Kai (Kekoa Kekumano) aparece nos últimos episódios da série, interagindo com uma das protagonistas e trazendo discussões muito pertinentes e contemporâneas sobre colonialismo e desigualdade social. Nesse caso, as fronteiras entre a ajuda e o descaso aparecem de maneira bastante turva.

Sem querer revelar muito os detalhes dos últimos episódios, é possível dizer que a série mostra a espiral viciante da riqueza, onde alguns personagens permanecem presos em seu próprio ego, olhando para o próprio umbigo e para o saldo de sua conta bancária, enquanto outros – um em especial – consegue fugir desse destino de “pobre” pessoa rica, encontrando a felicidade em algo que vai além do dinheiro.

A série faz, portanto, uma forte crítica social, mostrando como os milionários exploram os trabalhadores, seja explicitamente – através da intimidação e o que conhecemos no Brasil como “você sabe com quem está falando?” – mas também através da aparentemente ingênua amizade, onde a única funcionária negra do hotel, Belinda, é tratada como “amiga” pela milionária Tanya, que busca suprir suas carências afetivas oferecendo sonhos de independência financeira para a esperançosa massagista.

Porém, muitas vezes a crítica social é mais sútil do que uma simples luta de classes. Os personagens que parecem ter mais consciência de seus privilégios – como Olivia e Paula, as duas adolescentes “antenadas” na linguagem do politicamente correto, criticando o neoliberalismo, o colonialismo, lendo Nietzsche, passando por Freud e indo até Frantz Fanon – são aquelas que, percebendo ou não, também fazem parte da espiral da riqueza, agindo algumas vezes de maneira ainda mais insensível do que aqueles abertamente elitistas, como Shane Patton, o homem branco, rico e hétero em lua de mel com a esposa. Assim, para além das drogas que elas consomem ao longo dos episódios, parece que a própria riqueza seria uma substância tóxica e inebriante, causando vício naqueles que a experimentam.

A série contém também uma certa dose de existencialismo, onde os personagens buscam encontrar o segredo da felicidade. Alguns buscam através do sucesso profissional, outros através do casamento e outros até mesmo pela quetamina. Porém, nenhum deles consegue a felicidade almejada. A série parece mostrar que para se encontrar a felicidade é preciso ter coragem de olhar para além do próprio umbigo. Não basta ganhar dinheiro ou até mesmo apontar o dedo para sua mãe milionária e elitista, é preciso buscar os seus próprios sonhos. Frase clichê, sim, mas cuja discussão subverte a ideia comum de que para se enfrentar a desigualdade social é preciso ler livros complexos e denunciar aqueles que oprimem os mais pobres. Na verdade, a solução encontrada aqui está simplesmente na autenticidade, onde os outros passam a ser vistos como iguais, como seres humanos e como companheiros de experiência, e não mais como inimigos ou como acessórios humanos, servindo de adereço para um “look” politicamente correto.

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