A presente conjuntura econômica e social brasileira coloca o desafio de enfrentar, ao menos, duas agendas urgentes: a geração de empregos e o cuidado ambiental. O debate público nos mostra equivocadamente que a conciliação destas agendas se apresenta em direções opostas, isto é, ações para o fortalecimento do mercado de trabalho são tidas como inconciliáveis com a sustentabilidade ambiental, assim como o oposto, a preservação do meio ambiente passaria pela necessidade de frear o crescimento econômico e a geração de empregos. Entendo que uma política para geração de empregos verdes pode conectar estas agendas.
Vários estudos vêm demonstrando que a ação humana está modificando o planeta rumo a condições que colocam em risco a vida de milhões de espécies, inclusive a humana. Há consenso científico de que desde meados do século XIX, ou seja, a partir da industrialização, a quantidade de gases de efeito estufa lançados na atmosfera está modificando as condições do planeta que habitamos, conforme atestam os relatórios do IPCC (sigla em inglês) – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.
Apesar de as negociações coletivas entre trabalhadores e empresários no Brasil ainda não conseguirem avançar no tema ambiental – segundo o DIEESE apenas 1,5% das cláusulas acordadas pelos sindicatos, em 2019, incluem questões ambientais – há vários e significativos registros históricos de atuação dos sindicatos nesta temática. O mais emblemático de todos foi a proposição das Reservas Extrativistas para exploração dos seringais da floresta amazônica formulada por um coletivo de trabalhadores coordenados pelo líder seringueiro e sindical, Chico Mendes, nos anos 1980. Outros exemplos importantes também merecem registro, como o papel dos sindicatos no combate à poluição no município de Cubatão; na reparação pelos danos causados pela contaminação na produção de agrotóxicos pela Shell e Basf na cidade de Paulínia; na proposição de redução do uso das sacolas plásticas na capital de SP; e, mais recentemente, nas iniciativas sindicais sobre a transição energética justa.
Para superar a interdição das questões ambientais nos espaços de negociação coletiva, é necessário compreender o meio ambiente para além do “chão-de-fábrica”. Neste sentido, as negociações deveriam avançar das condições de trabalho e saúde do ambiente interno em direção também ao ambiente externo, avaliando impactos ambientais do produto produzido ou serviço prestado. Como diz Ailton Krenak, “fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ela é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade” citado no seu livro Ideias para adiar o fim do mundo (2019).
O setor produtivo rapidamente identificou no debate sobre desenvolvimento sustentável e meio ambiente uma clara oportunidade de negócios, onde “o verde” foi capturado pela perspectiva do lucro. Nesta direção é que se alinham o mercado de créditos de carbono, os greenbonds – títulos verdes do setor financeiro, as SBN- soluções baseadas na natureza, a pecuária sustentável, o carvão verde, entre outros.
Em outra direção, o movimento sindical do Norte e Sul Global, mesmo que em perspectivas diferentes, colocou recentemente na agenda das Conferências do Clima – COPS o tema da Transição Justa, entendendo que as transformações produtivas necessárias para trazer um respiro ao planeta Terra devem ser pautadas também pela questão social. A Transição Justa é compreendida como um instrumento que permite combinar a manutenção e ampliação de empregos decentes para os trabalhadores direta e indiretamente impactados, políticas de requalificação profissional, inclusão da população e segmentos sociais historicamente alijados do mercado de trabalho, oferta de alternativas para o desenvolvimento local das comunidades afetadas, ampliação dos espaços de diálogo social, redução das desigualdades sociais em níveis locais, nacionais e global.
Os atuais indicadores do mercado de trabalho no Brasil evidenciam o elevado desemprego, a alta informalidade e o baixo nível de remuneração. As perdas de postos de trabalho podem ainda ser maiores caso os níveis de elevação da temperatura no planeta superem as previsões mais otimistas de 1,5 graus nos próximos anos. Estudos da OIT indicam que poderiam ser perdidos, até 2030, algo em torno de 850 mil postos de trabalho no Brasil por conta da perda de produtividade do trabalho decorrente do aquecimento global, sobretudo em atividades como a agricultura e construção civil.
Um caminho para conectar a agenda ambiental com a agenda social é o estímulo à geração de empregos verdes e sustentáveis no Brasil, com investimentos em atividades que alavancam a geração de postos de trabalho com qualidade e ao mesmo tempo sem tanto impacto ao meio ambiente, como por exemplo, a agricultura orgânica, o saneamento básico, as energias renováveis, a eletrificação veicular, entre outros.
O Brasil tem um enorme potencial produtivo para geração destes empregos. Em 2020, o número de empregos formais verdes foi de aproximadamente 3,1 milhões, o que representava 6,7% do total de trabalhadores formais do Brasil, participação esta que se mantém praticamente estável desde 2006, indicando que há evidente espaço de crescimento e fortalecimento do mercado de trabalho através da geração de empregos verdes e sustentáveis.
Mas este crescimento tem que transformar as atuais características do emprego verde no Brasil, como a concentração regional dos postos de trabalho (55% na Região Sudeste), a menor remuneração dos setores verdes em relação à média nacional, a predominância de homens (90% nas ocupações verdes), a menor remuneração das mulheres (recebem 89% da remuneração dos homens nas ocupações verdes), a queda na participação de trabalhadores jovens, ocupações com maior nível de desproteção trabalhista e previdenciária, crescimento da subocupação por insuficiência de horas e maior carga de trabalho em relação à média nacional.
Este desafio de fortalecimento do mercado de trabalho com geração de trabalho decente, combinado com uma política ambiental que combata o desmatamento, respeite e preserve as áreas de proteção, reduza a emissão de gases de efeito estufa, em sintonia com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável estará presente no debate eleitoral. O cidadão terá a oportunidade de escolher o projeto político que melhor conecta as agendas do trabalho e do meio ambiente.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Revisão: Celia Bartone
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