“Tragédia pouca é bobagem”, diz o dito popular. E parece que no Brasil ele se confirma em nossas tragédias cotidianas de longo prazo, tais como as relacionadas aos eventos climáticos extremos e ao pífio desempenho econômico em mais uma década. Os desastres ocorridos recentemente na região serrana fluminense e no sul baiano nos põem a pensar sobre o quanto de “social” carregam esses que muitos só conseguem enxergar como “naturais”.

No Brasil, são décadas e mais décadas de vidas perdidas e prejuízos sociais e econômicos, ora pelo excesso de águas, ora por sua escassez. Ainda que se possa afirmar que são limitadas as nossas ações frente ao poder da natureza, também se deve ter em conta que o baixo crescimento econômico leva ao contínuo empobrecimento populacional e que esse baixo crescimento também se faz acompanhar pela ausência de políticas urbanas que certamente ajudariam a atenuar em muito os prejuízos humanos e materiais impostos pelos fenômenos climáticos.

Um painel de cientistas das Nações Unidas não se cansa de alertar que os eventos climáticos extremos estão se intensificando em escala nunca vista, notadamente por conta das mudanças globais da era industrial. Em setembro de 2021, a Organização Meteorológica Mundial apontou que esse tipo de evento respondeu por mais de dois milhões de mortes e prejuízos na casa dos trilhões de dólares nas últimas cinco décadas. O quantitativo de eventos por década quintuplicou, alcançando a casa dos 3,5 mil na primeira década do corrente século.

No Brasil, os dois principais eventos climáticos extremos estão associados ao risco hídrico, ou o excesso de águas (temporais, inundações e deslizamentos) ou à sua escassez (seca). Nos últimos 12 meses, o país experimentou prejuízos bilionários por conta da forte seca que se abateu sobre 40% de seus municípios, e também sofreu com as perdas humanas e prejuízos financeiros oriundos de tempestades, como as que ocorreram na última semana em Petrópolis.

Esses eventos climáticos extremos atestam o despreparo de nossas cidades às mudanças climáticas, mas também indicam que nossos “desastres” não são apenas “naturais”, mas também “políticos e sociais” à medida que as mortes e demais perdas contabilizadas são resultado de uma equação de múltiplas variáveis, das quais a fúria da natureza e a penúria das taxas de crescimento econômico têm maior peso.

O maior número de vidas perdidas e volume de prejuízos materiais, assim, resultam do palco perfeito para a destruição onde se encontram as mudanças climáticas e as condições de vida cada vez mais deterioradas por décadas de baixo crescimento econômico e ausência de políticas públicas massivas e efetivas que freiem e revertam os padrões disseminados de uso e ocupação do solo, especialmente no território referente à Mata Atlântica, bioma nacional sob maior estresse, devido à grande concentração populacional e produtiva aí localizada.

Enquanto nos países desenvolvidos a discussão é sobre como mitigar os efeitos das mudanças climáticas, nos países em desenvolvimento a discussão paira especialmente sobre a adaptação. O Brasil, por ser um país em desenvolvimento de alta renda média, deveria ter como estratégia um mix de ações que visassem a mitigação dos efeitos no curto prazo e a adaptação no longo prazo.

Adaptar e mitigar poderiam ajudar no crescimento econômico tão necessário à geração de emprego e renda. Adaptar e mitigar atuariam de modo inconteste sobre o desenvolvimento social nacional, aumentando a resiliência face aos eventos climáticos extremos, gerando maior proteção às vidas em risco – aquelas que por necessidade ocupam ou as encostas que desabam ou as baixadas periféricas que alagam.

Mas, como falar em adaptação e mitigação em um país que vem apresentando baixíssimo crescimento há quase uma década? Estamos às margens de mais uma “década perdida”, com crescimento em torno de 1,0%-1,5% ao ano (média pré-pandemia).

Como promover políticas de maior proteção social aos eventos extremos e recuperação pós-pandemia em cenário de debilidade do investimento público e privado? Quase impossível, por certo. A construção e implantação de uma política nacional de habitação e ocupação do solo ambientalmente orientada seria peça-chave nesse processo, como demonstram por exemplo os estudos sobre big push ambiental elaborados pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Reduziriam as injustiças climáticas e promoveriam crescimento, fomentado o desenvolvimento e superando obstáculos estruturais históricos.

No entanto, mantendo-se o business as usual, teremos o mesmo cenário, possivelmente até agravado, como sinalizado por diversos especialistas mundo afora. Não há outra saída senão o compromisso nacional com uma agenda de crescimento econômico com inclusão social. Uma grande agenda em que trabalho decente, investimento público e privado e políticas públicas caminhem em direção à construção de um país mais justo.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone

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