Nesta semana, completou um ano da tentativa de golpe de oito de janeiro de 2023. Um marco importante de uma tentativa de ruptura antidemocrática que não deve ser esquecida.

Uma semana antes, Lula tomou posse e deu início ao novo governo, cujas peças ainda estavam em montagem. Um evento muito emocionante para quem havia passado por um período crítico na história nacional, com a ruptura institucional de 2016, e na sequência o trágico governo Bolsonaro. A ruptura de 2016 conduziu o vice-presidente Michel Temer à presidência sem que tivesse sido caracterizado um crime de responsabilidade contra a ex-presidente Dilma e com os parlamentares votando com um ritual bem constrangedor no Congresso. Foi uma conjunção de regimes, misturando uma ruptura presidencialista, que só pode ocorrer em casos muito específicos citados na Constituição, com uma mudança de governo parlamentarista, onde o chefe de governo é derrubado apenas por não ter maioria congressual.

Misturando elementos dos dois sistemas de governo, ficou clara mais uma das “jabuticabas” nacionais, a remoção de um presidente porque não tinha maioria congressual. O governo Bolsonaro ficará lembrado pela sua intenção de perpetuação no poder contra a democracia, pelo massacre da população com as políticas adotadas e, especialmente, as não adotadas durante a pandemia da Covid-19, que tiraram a vida de centenas de milhares de brasileiros e brasileiras, além do isolamento internacional voluntário e do aprofundamento da crise econômica e social.

Assim, o evento emocionante de posse do novo presidente, uma semana antes, cujo ponto chave foi a  subida coletiva da rampa do palácio reunindo representantes da diversidade brasileira, simbolizou a esperança de que, enfim, voltaríamos a ter um governo em Brasília de fato preocupado com as maiorias sociais no Brasil, apesar de todos limiites políticos e econômicos que a conjuntura colocava.

Por tudo isso, os fatos de uma semana depois assustaram. Apesar das informações de que estava em curso uma tentativa de insurreição restauracionista, como por exemplo a saída do ex-presidente Bolsonaro do país quase na véspera da posse, não passando a faixa presidencial ao eleito, gesto que simbolizaria a transição de poder, não foi dada a necessária atenção ao processo político em curso, tão pouco foram tomadas pelo Governo do Distrito Federal as medidas necessárias para evitar o que ocorreria em seguida, como a mais óbvia delas, o controle do acesso de vários ônibus rumo à capital federal.

Os fatos do dia oito, todos devem lembrar, foram transmitidos ao vivo e em cores para todo país pelas redes de televisão. Com o beneplácito das autoridades de segurança do Distrito Federal os insurgentes ocuparam a Praça dos Três Poderes, e na sequência, os prédios físicos dos três poderes da República, Congresso, Judiciário e Executivo, em um festival de depredações ao patrimônio, baixarias e afrontas que ficarão guardadas na memória nacional. A ordem foi restaurada no final da tarde, com os poderes da República intervindo na Segurança Pública do Distrito Federal.

As autoridades militares, chamadas permanentemente pelos baderneiros insurgentes a tomar a frente dos acontecimentos, ficaram na sua. Esperaram por uma convocação da Presidência da República, através de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que lhe daria o protagonismo (e sabe-se lá qual seria o desdobramento desse protagonismo, mas pelo peso do ideário antidemocrático nas instituições militares, ele é previsível). Talvez esperassem pelo nocaute das autoridades constituídas (das quais os militares se excluíam), o que os levariam a sair do marasmo e assumiriam o controle da situação, convocatória feita durante todo dia pela turba que infestava a Praça dos Três Poderes. No final, nem uma coisa, nem outra. A ordem foi retomada com a coesão dos poderes políticos internos naquele momento e a forte sinalização de que o país ficaria em uma situação política e, quiçá, econômica, de isolamento no cenário internacional.

A vitória das forças democráticas dentro do país é o que foi comemorado neste oito de janeiro, um ano depois daqueles chocantes acontecimentos. Ainda vamos por muito tempo analisar aqueles fatos, e outros da história recente do Brasil, e ver até que ponto as forças democráticas estão de fato coesas na defesa da democracia dentro do país. Também vamos ter de aprofundar as análises dos acontecimentos de oito de janeiro, assim como do processo politico e eleitoral de 2022, da importância do posicionamento internacional da maioria dos países contra o golpe, pois existe a suposição bastante forte de que a maioria da institucionalidade das forças armadas no Brasil não tomou partido no processo de disputa ocorrido especialmente pelo risco do isolamento internacional, muito mais do que por quaisquer convicção da necessidade de defesa da democracia.

Por isso, é importante pensar sobre os fatos, comemorar a vitória democrática, mas também dar sequência a medidas que possam consolidar a institucionalidade democrática no país. Apurar os fatos, punir os responsáveis (particularmente os peixes graúdos que insuflaram os acontecimentos com discursos de ódio e financiaram a insurgência) e especialmente educar as forças armadas nacionais na defesa e na garantia da democracia, é fundamental para que possamos seguir adiante em um ambiente de fato democrático no país.

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Ilustração: Mihai Cauli  
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