Há poucas semanas, o governo Trump anunciou a sua nova estratégia para o setor externo, em documento intitulado “2025 National Security Strategy”. Nesse documento, alguns pontos importantes são a preservação da soberania nacional dos EUA, o foco nos interesses nacionais chaves e a ideia de paz através da força. No que se refere à América Latina, uma volta reforçada da velha Doutrina Monroe, a América (continente) para os americanos (leia-se estadunidenses).

Essas definições importantes – e que tornarão o mundo mais difícil nos próximos anos, dado o peso dos EUA, militar e financeiro – deverão se confrontar no próximo período com o aumento do peso econômico chinês nos últimos 20 anos no conjunto da América Latina e Caribe. Pois, no fundo, é disso que se trata: uma disputa por hegemonia com a China no próximo período histórico. Assim, a Doutrina Monroe de antes, que visava estabelecer uma reserva estratégica para os EUA no continente que se libertava das potências coloniais europeias, agora se renova em uma limitação a um aprofundamento do comércio e relações mais estratégicas com a China.

É muito importante ver como esse potencial conflito será administrado nesses próximos anos, já que o governo Trump, nessa confrontação geopolítica com a China, oscila entre estocadas mais diretas e momentos de negociação, em que parece reconhecer o problema de levar o conflito adiante. A China desenvolveu tecnologia, segue sendo a “fábrica do mundo” por seu papel no setor manufatureiro, e mantém sua hegemonia de produção no setor de minerais raros, dos quais os EUA dependem em suas indústrias de ponta tecnológica, mas também nos setores militares, e não podem, nesse momento, ficar sem o abastecimento chinês.

Nesse quadro, em especial no que se refere a minerais raros e energia (como petróleo e outras), a reserva estratégica da América Latina pode representar um diferencial importante dos EUA na queda de braço com a China. E aí, é importante observar como se comportam também os governos locais, que vão se definindo em ambientes de disputas democráticas até aqui.

Em eleições recentes na região, presidenciais e/ou congressuais, candidatos próximos a Trump ganharam espaço. Aí podemos falar com tranquilidade de Bolívia e Argentina e, mais recentemente, das eleições presidenciais chilenas. Sem colocar muita ênfase em seus candidatos próximos, Trump assistiu a vitória da centro-direita na Bolívia, e da extrema direita na Argentina (eleições congressuais) e no Chile (congressuais e presidenciais). Não é pouca coisa, pois vale lembrar que, por exemplo, esses três países são grandes produtores de lítio, um mineral importante para baterias em geral e para a transição energética em particular.

Teremos, entretanto, desdobramentos difíceis nos governos desses países em um horizonte curto.

Rodrigo Paz ganhou na Bolívia, mas o Parlamento está muito dividido, e sua vitória representou de novo uma clivagem entre a região andina, onde ganhou, e as áreas baixas do país, como Santa Cruz, onde perdeu. Dentro do bloco que ganhou as eleições, também existem divisões, então vamos ver o que sucede. Lembrando que o processo recente dava à China associações na área de lítio na Bolívia, e agora restam dúvidas sobre o que vai acontecer, o que não é bom para os investidores no país.

Na Argentina, Milei está em minoria no Congresso, embora tenha crescido, e segue com problemas na área da economia, que pode desandar.

No Chile, a vitória de Kast também se dá sem maioria congressual, e com disputas importantes no campo da extrema direita e direita no país, o que pode representar também instabilidade.

Os três países têm tradição de mobilizações de rua importantes, que podem aflorar no próximo período, instabilizando governos que, especialmente nos casos do Chile e da Argentina, devem ter trato difícil com os movimentos sociais organizados. Vale observar.

Entretanto, os pontos nevrálgicos para Trump seguem em disputa, se de fato quer uma América Latina mais dócil. Quatro importantes países da região se encontram neste momento com governos orgulhosos de sua soberania: Brasil, Colômbia, México e Venezuela – a última em uma rota mais conturbada com os EUA. No caso dos outros três, o México é vizinho e as relações diplomáticas e políticas se desenvolvem em uma espécie de xadrez. Relações difíceis, por conta da proximidade e migrações, mais importante para ambos do ponto de vista econômico.

Nos casos da Colômbia e do Brasil, acontecem eleições no ano que vem, em que a centro-esquerda liderada por Lula no Brasil deve enfrentar um candidato de extrema direita, em eleições disputadas, enquanto na Colômbia a esquerda liderada por Petro (que não pode ser candidato, pois pelas leis colombianas não há reeleição) deve se confrontar provavelmente (sempre podem acontecer surpresas) com a direita mais tradicional.

No caso do Brasil, existem fortes interesses econômicos em jogo, no caso da Colômbia, uma histórica aliança militar. Assim, embora Trump e o trumpismo tenham ganhado espaço na região, há ainda muito em disputa, e o ano que vem pode ser estratégico nestas disputas.

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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone.
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