Alguns analistas do mercado financeiro começam a afirmar que há uma bolha no ar, que o ar se tornou — ou pelo menos parece — inflamável. É preciso perguntar: o que faz alguns ver a “bolha” agora? E que tipo de bolha estamos dispostos a admitir, já que não é nova a percepção de que as condições de euforia do mercado financeiro internacional foram sendo retomadas a partir de 2012. Após a aguda crise de 2007/2008, a crise financeira – que começou como “crise do subprime” – se alastrou na forma de avalanche econômica e financeira com papéis “podres” embutidos em insondáveis derivativos, por isso somente em 2012 o mercado voltou a aquecer, apesar da forte trava em 2020 por conta da pandemia.

A bola da vez a inflar/apaixonar os mercados parece ser a da Inteligência Artificial. Analistas apontam que o entusiasmo em torno da IA já assume contornos de euforia. Gigantes tecnológicos investem somas astronômicas em servidores, chips e plataformas generativas, enquanto o retorno concreto — em produtividade, lucro ou impacto social — ainda não se manifesta com clareza. Mesmo países como o Brasil buscam pegar uma carona no surto de euforia, se candidatando a receber os servidores energívoros associados ao desenvolvimento dessa rota tecnológica.

O medo, cada vez mais, é de que a corrida pela IA reproduza o velho roteiro de toda bolha: a fascinação por uma promessa que não se sabe se será cumprida. Uma bolha não é apenas um exagero de preços, mas um descompasso entre o possível e o imaginado/sonhado. Quando o desejo se impõe sobre o cálculo, o valor se torna fé — valor se estima ou quantifica, fé não pode ser quantificada, mas pode se transmutar em desilusão.

Os sinais do risco se multiplicam: empresas avaliadas em centenas de bilhões, sem lucros consistentes; startups captando rodadas sucessivas apenas com base em “potencial disruptivo”; fundos especulativos empilhando expectativas como se fossem certezas. E ainda tem a dança das criptomoedas.

O mercado aprendeu a negociar promessas, com as inovações. O problema, entretanto, não parece estar na inovação em si, mas no modo como o futuro é transformado em ativo financeiro. O tempo é desconsiderado, o futuro vira presente, e espera-se que tudo dê retorno instantâneo. A riqueza não se difere no tempo, mas se materializa no presente. Essa compressão do tempo distorce o olhar: investidores e empresas passam a agir como se o amanhã já tivesse acontecido.

Como afirmado antes, essa nova possível bolha pode ser tecnológica, mas talvez ela seja ainda mais ampla, envolvendo as criptomoedas, por exemplo — e por isso mais invisível. Se é assim, ela de novo se expande no sistema financeiro global (como a de 2007/2008, pela via dos derivativos), entrelaçando créditos, dívidas e liquidez. Dessa forma, entraria na cultura das startups – que confundem capital de risco com a crença de que não há riscos no capital – e na própria mentalidade de crescimento sem limites.

O medo, que começa a crescer já faz algum tempo, não é o de uma falência isolada, mas de um efeito dominó. O risco propaga-se, como no passado recente, por fundos de investimento, mercados de dívida corporativa, empréstimos concedidos fora do sistema bancário. Os canais de propagação são conhecidos, a certeza do acontecimento não, ela será sujeita sempre às apostas entre “touros” otimistas e “ursos” pessimistas – os touros e ursos do jargão do mercado.

O ciclo parece conhecido: invenção, entusiasmo, euforia, alavancagem, colapso, arrependimento. Mas a bolha da IA traz de volta uma mistura entre o material e o imaterial, entre o tangível e o intangível, como na bolha das pontocom na segunda metade dos anos 1990 do século passado. Diferente das ferrovias, do petróleo ou de minerais, a Inteligência Artificial (como os softwares) é ao mesmo tempo produto/serviço e imaginação. Essa ambiguidade a torna perfeita para o imaginário financeiro: é produto e aposta no futuro, ativo e impalpável. E quanto mais intangível é o objeto, mais difícil de medir, e mais fácil é de inflá-lo.

Como toda bolha, não há como prever o momento do estouro, nem o seu alcance, se de fato acontecer. A história das bolhas ensina que o colapso é sempre óbvio depois que acontece. A racionalidade se dá depois do fato, pois até ali era uma aposta entre otimistas e pessimistas.

Mas o começo do desconforto entre os analistas financeiros, alguns deles pelo menos, talvez seja um ato de lucidez, como dizem alguns. O excesso de euforia é uma forma de cegueira, já analisada por teóricos da Economia, e também por uma série de analistas financeiras. Como em todas as bolhas, alguns acendem o sinal amarelo, até vermelho às vezes. Mas o mercado se comporta como manada, às vezes é cego e toda cegueira exige um preço. E, afinal, é sempre melhor errar junto do que acertar isolado (se todo mundo errou, ou quase todo mundo, eu só fiz o que os outros fizeram, qual o erro nisso, diriam os mais otimistas).

E, mesmo conhecendo os fatos – e as bolhas – do passado, os otimistas sempre conseguirão convencer muitos de que o que ocorreu antes não acontecerá dessa vez, pelo menos enquanto muitos estiverem ganhando dinheiro, e o estouro da tal “bolha” seguir sendo apenas uma suposição.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli
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