Valdir é um sujeito pacato. Às vezes, até simpático. Geralmente, não chama a atenção. Faz o tipo comum. Ordinário em tudo. Ganha pouco. Trabalha por muito tempo e de má vontade, mas sorri e diz que ama o trabalho. Enrola o quanto pode. Fala mal do chefe e do chefe do chefe quando pode. Quando não pode, fala do quanto é bom trabalhar para chefes tão competentes. Resumindo, Valdir é um trabalhador como outro qualquer.

Mas ele não se sente um trabalhador como outro qualquer. Acha que seu espírito é de empreendedor. Que ele é quem deveria ser o chefe daquela gente toda, chefe do chefe do chefe, o chefão. Valdir não estudou para isso. Não estudou nem para fazer o que faz. Mas acha que sabe tudo e muito mais. Sabe mais que gente mais experiente do que ele. Mais do que cientista gringo. Mais do que os gênios das ciências e das filosofias.

O problema de Valdir é que só ele sabe que ele sabe tanto assim de tanta coisa. Os outros não o reconhecem e, por isso, acha que não o respeitam. Não o tratam como deveria ser tratado. Definitivamente, Valdir não gosta da sua gente. Acha que se morasse no estrangeiro seria diferente. “Nos Estados Unidos tem liberdade. Lá eu posso mostrar meu valor de verdade. Aqui eu não posso”.

Desgostoso da vida por aqui, mas sem ter como sair daqui, Valdir apenas finge gostar e, quando ninguém está vendo, bota para fora tudo de ruim que sente. E tudo de pensamento que acha inteligente. Quando pega o celular, Valdir se transforma. O sujeito ordinário, o Valdir quotidiano, dá lugar ao Valdir das redes. O Valdir da desinformação. O Valdir.com.

Valdir.com não acha que os milicos tentaram golpe. E acha que o julgamento é uma questão de achar. E acha que é tudo invenção de comunistas. Ele até vê, sem prestar atenção e sem entender muito o que gente que entende de lei e julgamento fala sobre o julgamento do golpe. Mas ele acha que são todos vendidos quando o que dizem não coincide com o que ele acha. O seu achismo é a medida da verdade e da mentira. A medida do bem e do mal.

Quando os Estados Unidos vieram com esse negócio de tarifas – que Valdir não sabe bem o que é, mas sabe que boa coisa não é -, Valdir.com tratou logo de achar e alardear pelas redes que era uma vingança divina. Isso porque, na genialidade de Valdir.com, tudo o que acontece no mundo é uma luta do bem contra o mal. E o mal, claro, é o comunismo. O bem, ah… o bem é qualquer coisa que diga que é contra o comunismo. Pouco importa se esse bem pratica coisas como mentiras, assassinatos, guerras ou genocídio.

Na sua autoproclamada genialidade, Valdir.com descobriu pelo WhatsApp que Trump faz o que faz porque ele sabe de coisas que ninguém quer que saibamos. No mundo de Valdir.com, o que não é verdade achada é mentira ou segredo que não querem que a gente saiba. E ninguém quer que a gente saiba porque sempre são verdades do bem ou contra os comunistas.

Mas Valdir.com está aí, atento às verdades que acha. Lutando com o celular pelo bem. Inventando, espalhando e acreditando no que acha que faz sentido. Valdir.com é incansável. Teimoso. Só para quando a bateria do celular acaba ou quando o trabalho lhe chama de volta à sua realidade ordinária de sujeito que cresceu de empregado mal pago e civilidade fingida.

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Ilustração: Mihai Cauli
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