Estamos vivendo um momento crucial de transição na história mundial.
Desde a década dos 70, o mundo experimentou um processo de globalização neoliberal impulsionado por líderes como Ronald Reagan, Margareth Tatcher, dentre outros. Houve uma mudança radical de rumo, deixando para trás a filosofia do New Deal dos EUA, período em que a economia política foi pautada pelo keynesianismo, buscando fazer o capitalismo mais humano e menos selvagem. Foi criada a Seguridade Social; e também o salário mínimo, o seguro desemprego, as políticas de geração de emprego, dentre muitas outras medidas – tudo isso baseado em significativa taxação sobre as corporações e os mais ricos. Nessa época, Franklin Delano Roosevelt tirou os EUA da depressão e foi eleito por três mandatos consecutivos, tendo sido considerado o melhor e mais popular presidente dos EUA.
Na década de 70, houve uma mudança de 180 graus na política econômica dos EUA, liderada pelos republicanos e seguida pelos democratas, reduzindo a importância do Estado na economia. Daí a drástica redução da regulação econômica nos últimos 50 anos em quase todo o planeta. As grandes corporações voltaram-se para a Ásia, em especial para a China, buscando maximizar seus lucros mediante a exploração da mão de obra barata e do aproveitamento do enorme mercado reprimido daqueles países. As grandes corporações mundiais, americanas, britânicas, alemãs, francesas, italianas, japonesas, dentre outras, decidiram investir na China, que as acolheu com muito interesse e satisfação.
Esse movimento propiciou um crescimento extraordinário da metade “capitalista” da economia chinesa, sendo que a outra metade do país continuou sob domínio estatal, respondendo pelas políticas públicas do país, que continuaram pautadas pelo “socialismo”. Esse sistema híbrido experimentou taxas de crescimento nunca antes ocorridas no planeta (6 a 9% a.a. nos últimos 30 anos). Enquanto isso, no mesmo período, o PIB dos EUA cresceu 2 a 3% a.a. Isso transformou a China num competidor à altura dos EUA. Os competidores potenciais dos EUA tais como UK, França, Japão, Alemanha, França, Itália, etc. já tinham sido devidamente eliminados, na largada, pelos efeitos da Segunda Guerra Mundial.
O PIB dos EUA é atualmente da ordem de US$ 25 trilhões, enquanto o da Rússia é da ordem de US$ 3,5 trilhões. Presentemente, o único competidor à altura dos EUA é a China, cujo PIB é da ordem de US$ 18 trilhões. Segundo o FMI, se medido pela PPC (paridade de poder de compra) o PIB da China supera o dos EUA (US$ 37 trilhões versus US$ 29 trilhões). As elites dos EUA não conseguem ainda acreditar em tais mudanças e encontram-se na fase de negação (denial behavior). Elas simplesmente não conseguem aceitar a dura realidade de que acabou o mundo unipolar!
A União Europeia, por seu turno, parece estar numa situação ainda pior. Não tem competitividade para vender seus produtos para o resto do mundo e rejeitou, por ordem dos EUA, a energia barata que vinha recebendo da Rússia, na expectativa de que este país entrasse em colapso com tal boicote. Ledo engano. Um verdadeiro tiro no pé.
O BRICS (hoje são 24 países) também ganhou uma importância crucial, já que representa mais da metade da população mundial e um PIB superior ao do G-7 (EUA, Canadá, Japão, UK, França, Alemanha e Itália). Isso significa que os EUA já não são mais o país dominante no planeta. Será que isso significa o fim do império norte-americano, herdado da Grã Bretanha?
Esse é o aspecto principal da recente eleição de Donald Trump como presidente dos EUA, num contexto de negação da realidade, tanto das elites norte-americanas como das europeias. O processo de queda do império norte-americano parece ser irreversível. E a negação desse fato é o que caracterizará o pretenso “reinado” de Trump.
Vejamos alguns exemplos. O salário mínimo nos EUA é de US$ 7,25 / hora e não é reajustado há 15 anos, desde 2009. O poder de compra médio do salário chinês é quatro vezes maior que o americano. A desigualdade dos EUA é superior a da Europa. Os 10% mais ricos dos EUA detém 80% da riqueza. Tudo isso reflete sérios problemas da economia e da sociedade norte-americana.
Trump ganhou as eleições por força da carestia e com base em promessas de que ele protegerá os cidadãos americanos do colapso a caminho (MAGA), que vem sendo sentido pela sociedade. As duas principais imagens de proteção são MUROS: um, físico, contra os imigrantes e o outro, tarifário, contra o mal chinês. São imagens potentes e representativas do ponto de vista do imaginário coletivo norte-americano. Contudo, do ponto de vista econômico e social, são totalmente absurdos, incoerentes e infantis.
De um lado, trata-se de 10 a 12 milhões de imigrantes ilegais numa população de 330 milhões de pessoas. Dez a doze milhões de imigrantes pobres explicariam as dificuldades econômicas dos EUA? Isso é ridículo! A deportação desses pobres coitados causará inflação.
De outro lado, a taxação das importações vai salvar os EUA do abismo? Lógico que não. Serão os importadores americanos que pagarão mais caro pelos produtos tarifados, o que causará inflação.
O mundo inteiro está olhando abismado e confuso para essas piadas de mau gosto. Elas refletem nada mais do que arrogância e negação da realidade. O sonho acabou para o império norte-americano.
Agora é tempo de se sentar à mesa e negociar, reconhecendo que o planeta é multilateral e globalizado!
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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