Foi inaugurada com festa. Gente importante mostrava os dentes no palanque. Rogério assistia de baixo. Deram-lhe um balão preso a uma vareta para compor o cenário da foto. Diziam que a fábrica lá, tão longe de tudo, geraria milhares de empregos. A cidade enriqueceria.

Os empregos não foram aos milhares. Não chegou a duas centenas. Máquinas ágeis faziam quase tudo. Para cuidar delas, chegou gente de fora. Para mandar em todos, também. Sobrou pro pessoal dali trabalhar para elas. Mulheres na limpeza. As bonitas, enfeitavam as recepções das salas dos homens que mandavam. Os homens que não mandavam, carregavam coisas para as máquinas. Ou faziam cara de bravo na portaria.

De longe, ela era um trambolho prateado. Rogério a imaginava como uma nave espacial que tinha caído por ali. Cheia de alienígenas com sotaque de cidades grandes. Conseguiu emprego para fazer cara de bravo portaria.

As coisas, realmente, melhoraram um pouco. Os comerciantes venderam um pouco mais. A fábrica patrocinava reforma de praça, quermesses e outras festas. Sua marca ocupou a visão em placas, cartazes, camisetas e bonés. Nas conversas, era cenário ou personagem. Tornou-se quase onipresente aos olhos, ouvidos e mentes. Como um sol, em torno do qual toda a cidade passou a girar.

O desalento foi enorme quando fecharam a fábrica. De uma hora para outra. Inesperado como o apagar do sol. Não compensava mais produzir ali, disseram. Desmontaram as máquinas com mais rapidez do que montaram. Durante a madrugada, sem palanque ou festa, caminhões barulhentos levaram tudo. Os homens que mandavam sumiram sem dizer adeus. Como se fugissem. Ficou só o caixão prateado vazio por dentro.

O dia seguinte foi estranho. O mesmo silêncio da fábrica estava nas bocas. Só se falava por olhares consternados e arqueadas de sobrancelhas que pareciam dizer “Pois é…” Consolação mútua de desconsolados.

Souberam pela TV que ela fora para outra cidade. Tão pequena e distante quanto a deles. Inaugurada com o mesmo palanque e pelas mesmas pessoas dizendo a mesma coisa que ouviram antes. Na nova cidade, a fábrica terá mais vantagens. A fábrica sempre precisa de vantagens, senão vai embora.

Rogério mandou currículo. Nem responderam. Burrice! Pensou depois. É certo que por lá há um Rogério que nem ele.

Mas havia outros na cidade que trabalharam em coisas mais importantes que ele. Gente que aprendeu a mexer numa ou noutra engenhoca. Que sabiam apertar os botões certos. Também não tiveram resposta. Souberam depois que a nova fábrica tinha novas máquinas. Com botões diferentes dos que sabiam apertar.

A nova fábrica precisava de menos gente apertando botões. Menos gente enfeitando sala de gente vinda de longe. Menos gente fazendo cara séria na portaria.

Ficará por lá até não querer mais. Depois irá para outro lugar funcionar com mais vantagens, mais máquinas e menos gente. Deixará para trás outro caixão prateado e uma ou outra praça reformada. Nas gavetas, surradas camisetas e bonés desbotados. Lembrança de quando acreditaram que o futuro seria melhor.