Pesquisa iniciada no Instituto de Economia da UFRJ em parceria com colegas do Institut de Recherche et Développement da França durante o primeiro ano da pandemia identificou que nos municípios onde Bolsonaro teve maiores percentuais de votos no primeiro turno da eleição de 2018 houve proporcionalmente mais mortes por Covid-19 do que nos demais municípios. Este resultado foi denominado pelos autores de Efeito Bolsonaro. (Ver The municipios facing COVID-19 in Brazil: socioeconomic vulnerabilities, transmisssion mechanisms and public policies)

Com o objetivo de evitar que tal achado fosse resultante apenas de uma correlação espúria, foram estimados modelos econométricos com a inclusão de um amplo conjunto de variáveis pessoais, demográficas, de saúde, socioeconômicas e territoriais de cada município, as chamadas variáveis de controle. Tais variáveis foram obtidas das mais distintas fontes de dados oficiais do país. Entre aquelas relacionadas às características pessoais foram utilizadas, por exemplo, idade, sexo, raça e escolaridade das pessoas. No conjunto associado à demografia e saúde há variáveis como a densidade do município, o tipo de moradia, o número de moradores por cômodo, a localização urbana/rural, a esperança de vida e o número de médicos por habitante. Entre as variáveis socioeconômicas foram incluídas a taxa de informalidade no mercado de trabalho, o PIB per capita municipal, o percentual de pessoas que trabalham em municípios vizinhos e a taxa de pobreza. No total, cerca de 20 variáveis de controle foram incluídas no modelo para captarem sua influência na mortalidade da Covid-19. 

Com o avanço da doença e o início da vacinação, o modelo original foi posteriormente ampliado para captar a maior ou menor mobilidade da população durante a pandemia, o que poderia facilitar a contaminação das pessoas. Foi também testada a vacinação a partir de seu início em 2021. Tanto na mobilidade quanto na vacinação (primeira e segunda dose) foram encontrados resultados que apresentam certa semelhança aos observados na mortalidade no que diz respeito às variáveis econômicas, sociais e sanitárias. A maior taxa de vacinação, por exemplo, está associada a municípios com população mais idosa, mais branca, mais feminina, com maior escolaridade, maior PIB per capita, mais formalidade no mercado de trabalho, menos população favelada e menor densidade nos domicílios. 

Um dos resultados mais notáveis da pesquisa é que naqueles municípios em que Bolsonaro foi mais votado no primeiro turno da eleição de 2018 houve, além de maior mortalidade, mais mobilidade da população e menores taxas de vacinação contra a Covid-19.  (Ver “Negacionismo e o papel dos fatores políticos para a mortalidade por Covid-19 no Brasil”) Nosso argumento para tais resultados estaria associado ao efeito do posicionamento do ex-presidente em relação à permanência da população em casa durante a pandemia e ao descaso demonstrado no caso da vacinação em massa. O próprio Bolsonaro sempre negou que tivesse se vacinado, mesmo após a descoberta neste ano de seu atestado falso de vacinação. Para ilustrar os resultados encontrados com os modelos econométricos foram obtidas estimativas como, por exemplo, que um aumento de 10% na votação de Bolsonaro num determinado município provocaria uma redução de 2% na taxa média de vacinação local. 

Os resultados acima não chegam a surpreender tendo em vista a postura do ex-presidente, minimizando inicialmente a importância da Covid, incentivando as pessoas a trabalhar em vez de ficar em casa durante a pandemia e ao desqualificar o papel da vacinação, adiando inclusive sua compra pelo país.  

Mas há um resultado surpreendente obtido na pesquisa em relação à vacinação para outras doenças. O Programa Nacional de Imunização (PNI) tem sido um dos maiores sucessos do país na área de vacinação, sendo uma referência mundial. Foi notado, entretanto, que nos últimos anos, antes mesmo da Covid-19, a taxa de vacinação das mais diversas doenças vinha se reduzindo. Será que o Efeito Bolsonaro teria acentuado a queda da vacinação em geral? 

O resultado é evidente confirmando que o Efeito Bolsonaro também funcionou negativamente no PNI, com aumento da redução da taxa de vacinação para as mais diversas doenças, sendo mais intensa nos municípios em que o ex-presidente foi proporcionalmente mais votado na eleição de 2018. A partir de 2020, primeiro ano da Covid-19, o Efeito Bolsonaro sobre a vacinação em geral se mostra estatisticamente significativo e crescente até o final do ano de 2022 quando o estudo se encerra. Como mencionado acima, a vacinação em massa no país já vinha se reduzindo desde 2016. O que o modelo mostrou foi que a redução se acentuou ainda mais, podendo-se atribuir esta queda adicional ao Efeito Bolsonaro. 

Nossa interpretação deste resultado é que a retórica do ex-presidente contra a vacinação da Covid-19 criou dúvidas na população gerando um efeito de transmissão sobre as demais vacinas. Em outras palavras, a postura do ex-presidente contra a vacina estaria produzindo efeitos ampliados e de longo prazo, prejudicando o PNI após anos de crescimento e sucesso no passado. 

Os resultados da pesquisa revelam a necessidade do governo Lula e do Ministério da Saúde enfrentarem a questão da queda das taxas de vacinação através do fortalecimento do PNI e de campanhas nacionais em massa para convencer a população sobre a importância da vacinação. Apesar do esforço do Movimento Nacional pela Imunização implantado no início do ano, os resultados ainda se encontram muito abaixo das metas do PNI. O movimento contra a vacina e o negacionismo científico dos últimos anos foram muito destrutivos e seu combate exigirá um enorme esforço para incentivar a população a voltar a se vacinar contra os mais diversos tipos de doenças, cujas vacinas estão disponíveis para todos no SUS.  

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  

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