A chanceler da Alemanha, Angela Merkel e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen

Desde que no começo de março Tony Blair reconheceu o mérito da vacinação conduzida por seu adversário Boris Johnson no Reino Unido, em contraposição aos graves problemas do processo na União Europeia, que a disparidade se manteve, se é que não piorou um bocadinho.

Definitivamente, a inoculação contra o vírus por aqui não arranca. Até a derradeira semana do mês, só 10,3% da população adulta da União Europeia havia recebido uma dose de uma das vacinas aprovadas. Neste mesmo período, no Reino Unido esse número era de 50% (com pelo menos uma dose). É uma diferença brutal, escandalosa, é o que deveriam estar destacando os jornais. Mas não estão. Apenas repetem a ladainha modorrenta da presidenta e protégé das estrelas liberais Angela Merkel e Emmanuel Macron, a sra. Ursula von der Leyen – que dias após dia tudo o que faz é replicar ameaças e mais ameaças contra os donos do negócio (os laboratórios).

Ao final desse março tenebroso, quando uma quarta onda ameaça a recuperação econômica planejada para o verão, a resposta da alemã que preside a UE até já virou refrão: “Ursula von der Leyen ameaçou ontem…”, “von der Leyen ameaçou na manhã de hoje…”. Mal comparando, lembra o governo britânico reagindo às mobilizações de massa instigadas por Gandhi para exigir a independência da Índia. A cada nova mobilização convocada pelo líder indiano, o governo da rainha na colônia respondia ordenando: “prendam-no!”. É o mesmo o que faz a sra. Ursula frente aos repetidos fracassos na campanha de vacinação: bravateia contra as farmacêuticas. Mas há uma diferença entre o refrão da alemã e o do Império Britânico na Índia, já que este pelo menos conseguia cumprir a ordem de prisão contra o político que o fustigava e de fato o encarcerava, mesmo que logo em seguida fosse obrigado a libertá-lo. As ameaças da sra. presidenta, ao contrário, têm sido absolutamente inócuas, com graves consequências para a população da comunidade pela qual ela é responsável.

Era inevitável que se tornasse piada. Dizem que na Inglaterra, agora, toda vez que Ursula von der Leyen “abre a boca para anunciar possíveis castigos, mais britânicos se tornam brexiters”. Por isso é razoável supor que o que pretendia Tony Blair ao elogiar a política do adversário era neutralizar, ao menos em certa medida, os efeitos do desastroso processo de vacinação da UE sobre o tão acalentado sonho da união do continente, num momento em que, para além da pandemia e da vacinação, há evidências de forças centrífugas atuando no coração do projeto da Europa unificada.

Os brexiters estão por todos os lados, prontos para romper as fronteiras da ilha e umas tantas outras. (Frente a essa ofensiva, não será suficiente lembrar os erros grosseiros cometidos pelo fanfarrão comandante das tropas separatistas, inicialmente negacionista, que fizeram com que o número de vítimas fatais do vírus no Reino Unido, 130 mil, fosse “proporcionalmente um dos mais altos do mundo”.)

Vozes aqui e ali

De todo modo, seria um erro personalizar na figura da presidenta da Comissão Europeia o fracasso do combate à pandemia e, sobretudo, da campanha de vacinação. Dificilmente haverá como não compartilhar essa responsabilidade. Em primeiro lugar porque quando se trata de levantar qualquer sombra de dúvida sobre as instituições nascidas em Maastrich em novembro de 1993, a autoindulgência parece não ter limite, inclusive nos meios de comunicação. Agora mesmo, num momento de crise aguda e necessidade de ações eficazes, a Europa se mostra seriamente inerte quanto à capacidade de fazer autocríticas e corrigir erros.

Um pequeno exemplo é uma das manchetes internas do jornal La Vanguardia (o segundo maior jornal da Espanha), no dia 21 de março: “Os problemas com AstraZeneca freiam a já lenta vacinação na UE”. Durante quatro dias, a Agência Europeia de Medicamentos decidiu interromper a aplicação de uma das vacinas que estão atualmente sendo aplicadas nos países membros da Comunidade. Foi o suficiente para que o foco da lentidão, quase paralisia, da campanha se deslocasse da incompetência dos gestores públicos para a culpabilização de um laboratório.

Não é um caso isolado. Esse é o tom da cobertura da mídia. Logo, ao reconhecer que “a vacinação avança muito lentamente”, uma questão qualquer que desvie o olhar para longe de Bruxelas – ora os problemas com uma das vacinas, ora as novas variantes do vírus, ora isso, ora aquilo e, ao final, um meio envergonhado reconhecimento de que “não é muito fácil entender o que está ocorrendo, mas, sim, é provável que em toda a Europa houve um relaxamento” geral (nas medidas de combate ao vírus).

Conforme informou o Centro Europeu para a Prevenção e Controle de Enfermidades, na semana terminada em 14 de março, 20 dos 30 países do espaço econômico europeu notificaram aumentos importantes no número de contágios diários. Se este indicador continuar subindo, alerta o ECDC, significará a perda do controle sobre a pandemia.

Daí, talvez, no Europarlamento, um ou outro deputado comece finalmente a pressionar o botão vermelho. Se a vacinação não se acelerar logo no início do segundo trimestre (começo de abril), “a Comissão enfrentará uma situação política explosiva, com uma onda de contágios em alta, uma população cada vez mais farta e uns governos que jogarão a responsabilidade do desastre sobre Bruxelas”, diz um eurodeputado espanhol.

O certo é que enquanto não avança a vacinação, o que progride são as ondas de contágio. Mal acaba a contenção relativa de uma onda de expansão, provocada por exemplo pelos feriados de final de ano, aproxima-se a semana santa e a possibilidade da chamada quarta onda. A política sanfona, mais ou menos uniforme de cima a baixo no continente, segue firme e forte, pressionada de um lado pelos interesses do capital, mas também, cada vez mais, pela impaciência crescente da população. E, de novo, em face desse quadro de atoleiro desolador, vozes isoladas apelam, com muito atraso, é verdade, à aplicação de um modelo radicalmente distinto e de comprovado sucesso de combate à doença: o da China, onde, desde o final de junho de 2020, a pandemia está controlada. Na Alemanha de Merkel, um dos mais respeitados epidemiologistas do país, o deputado social-democrata Karl Lauterbach, insistiu que a única forma de parar a fulminante nova onda que se aproxima é “fechar tudo”.

A questão é: quem ousará tomar a decisão e manter o pulso?

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