Papa Francisco uniu o humor e a utopia como Thomas Morus e revelou assim a riqueza da espirituosidade, diante de um mundo desamparado. (…) Temas para aliviar um pouco o desânimo reinante.
Thomas Morus, um famoso humanista do Renascimento, é o autor da “Utopia”. Também foi o autor de uma prece sobre o humor, que o Papa Francisco rezou por quarenta anos. “Senhor, dai-me senso de humor. Dai-me a graça de saber discernir uma brincadeira, para que eu usufrua alguma felicidade na vida e que a partilhe com os outros”. O humor de Morus vem da união dos contrários: um temperamento feliz, mas consciente da fragilidade humana. Daí ter escrito no seu livro “Utopia”: “Enquanto procuro curar a loucura dos outros, é necessário que eu seja tão louco quanto eles”. O humor tem um duplo olhar sobre a vida; já um simples olhar vê as aparências e produz ou tolice ou fanatismo, ou os dois ao mesmo tempo. Já um duplo olhar, uma visão paradoxal, requer a convivência dos contrários. Aliás, a própria oração de Morus começa assim: “Dá-me, Senhor, uma boa digestão, e algo para digerir”. Ele disse que as pessoas sem senso de humor são chatas, chatas até consigo mesmas. Agradeço aos amigos que me enviaram um breve filminho dessa entrevista, na qual o Papa contou que incluiu a oração de Morus em “Gaudete et exsultate” (Alegrai-vos e exultai”).
O Papa Francisco uniu o senso de humor ao seu senso de justiça, no sonho de um mundo mais justo e bem-humorado. Os fanáticos desprezaram o querido Papa Francisco que buscou em São Francisco sua inspiração. Logo pensei em fazer um Lechaim, palavra hebraica que significa “à vida” e se usa num brinde. Um brinde ao Papa Francisco e a todos os sonhadores de um mundo melhor. Já São Francisco denunciou o horror econômico, pregou a não violência, o anticonsumismo e seu minimalismo. Amou a natureza e falou com os animais, como revela o historiador Jacques Le Goff em seu livro sobre São Francisco. Ele nasceu em 1181 ou 1182 e aos 25 anos renunciou aos bens paternos ao se converter ao cristianismo.
O livro de Le Goff é quase impossível de se encontrar, e me foi presenteado por um amigo cristão. Foi num encontro em que falei sobre uma visita que fiz às montanhas de Alverne na Toscana, onde viveu São Francisco. Fiz uma promessa a ele, que um dia iria escrever sobre o livro. Recordei agora de um passeio nas altas montanhas de Alverne num domingo em que caminhei com familiares pelos caminhos por onde São Francisco perambulou. Visitei seu quarto minúsculo numa gruta, e sua cama feita a partir de uma árvore, não tendo mais que cinquenta centímetros de largura. Também fiquei espantado diante de árvores gigantes, respirei o ar das montanhas com vistas inesquecíveis. Quem esteve à frente na caminhada, naquele dia chuvoso, foi a neta Sara de oito anos, que sempre dizia faltar pouco para o fim. Buscou sempre nos animar, pois falamos em desistir da longa caminhada. Só com o entusiasmo da liderança de uma criança conseguimos concluir a caminhada na montanha.
Papa Francisco uniu o humor e a utopia como Thomas Morus e revelou assim a riqueza da espirituosidade, diante de um mundo desamparado. Interessante lembrar que foi publicado há pouco um livro sobre a Utopia, escrito por um amigo, o conhecido Edson Sousa com seu “Furos no futuro”. Anos antes eu havia escrito “O humor é coisa séria” – são temas próximos, como Thomas Morus revelou. Temas para aliviar um pouco o desânimo reinante.
Há muito penso que diante da loucura por lucros a qualquer custo, diante da violência humana contra a natureza, diante da fragilidade dos laços, precisamos criar uma magia. Uma magia que diminua o desencanto, e com sua graça alivie a desgraça. Podemos começar recuperando a capacidade de brincar, como quando éramos crianças. Gerar um ceticismo esperançoso para iluminar nosso norte, e assim vivenciar a beleza e a maravilha do mundo. Aliás, o diretor de cinema Alfred Hitchcock disse que as angústias só podem ser enfrentadas com humor. Logo, brinquemos de orar: “Senhor dai-me senso de humor…”.
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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