Há notícias complicadas para o país no que diz respeito à inflação para o ano de 2022. A elevação da inflação não é inevitável, mas é o provável, caso o governo Bolsonaro insista em sua política de preços para os derivados de petróleo. Como sabemos, essa política, que vem desde o governo Temer e foi mantida pelo governo atual, é de dolarização dos preços dos derivados de petróleo. O objetivo é garantir a rentabilidade em dólar dos investidores internacionais e buscar atrair esses capitais internacionais, quer seja para a Petrobras, quer seja para outras opções na área de petróleo no país. O primeiro objetivo tem sido alcançado, garantindo a rentabilidade dos investidores internacionais. O segundo, pelo que se viu até agora em leilões de concessões de áreas de exploração de petróleo ou venda de ativos da Petrobras, tem passado longe de ser atingido.

Entretanto, o efeito colateral desta política tem sido o crescimento rápido da inflação no país (aliás, apontado pelo próprio presidente do Banco Central do Brasil ao ministro Paulo Guedes, Ofício 823/2022 do Banco Central do Brasil, em https://www.bcb.gov.br, no ponto cinco da sua segunda página: “A inflação de preços administrados atingiu 16,90% (contribuição de 4,34 p.p. para a variação do IPCA), menor apenas que a variação nos anos de 1999 e 2015, refletindo principalmente os aumentos dos preços de combustíveis e de energia elétrica. Os preços de gasolina, gás de bujão e energia elétrica residencial subiram 47,49%, 36,99% e 21,21% (contribuições de 2,33 p.p., 0,41 p.p. e 0,98 p.p.), respectivamente.”

Ou seja, a combinação entre a subida internacional dos preços do petróleo, a política de preços dos derivados de petróleo adotada pelo país desde o governo Temer e a desvalorização forte do real frente às moedas internacionais alavancou a inflação interna. Em especial porque – também em decorrência da falta de investimentos no setor de energia elétrica e do esvaziamento de reservatórios de usinas hidroelétricas em função da escassez hídrica – foi reduzida a capacidade de produção hidroelétrica do país e ampliada a utilização da produção de termoelétricas, várias delas movidas a óleo combustível, um derivado de petróleo que também subiu de preços, como todos os demais derivados. Combustíveis e energia elétrica impactaram sobremaneira a inflação, como expôs o próprio presidente do Banco Central.

Bem, até aqui é o passado, são os fatos; e é uma análise olhando para esses fatos no retrovisor. Agora vem um pouco de estimativas do que vem pela frente, e essas não são as melhores. E a base disso são algumas das informações já disponíveis no cenário internacional.

A primeira diz respeito à subida das taxas de juros nos EUA. Frente a uma inflação interna de cerca de 7% anual nesse momento, o Federal Reserve, o banco central dos EUA, já anunciou que subirá as suas taxas de juros algumas vezes ao longo desse ano. Até aqui, a previsão é de que esses aumentos comecem a se dar a partir de março, mas isso deve entrar em discussão e ser definido na reunião do equivalente estadunidense do nosso Copom (Comitê de Política Monetária), marcada para 25 e 26 de janeiro, ou seja, na semana que vem. O que nós temos com isso? Na medida em que as taxas de juros comecem a subir nos EUA, invertendo a política de expansão monetária (principal estímulo adotado para reverter o baixo desempenho econômico nos EUA) com a qual o banco central dos EUA lidou com a crise econômico-financeira desde 2008, o capital disponível, em especial para os chamados pelo mercado financeiro “mercados emergentes” (onde o Brasil se inclui), deve encurtar. Isso significa menos capitais externos para o Brasil (e outros) e, no caso brasileiro, uma tendência reforçada para a desvalorização do real frente ao dólar.

O segundo diz respeito à subida dos preços do petróleo. No último dia 18, o preço do petróleo Brent, por exemplo, voltava a se aproximar de US$ 90 por barril, depois de ter caído a quase um terço disso em meados da década passada. A subida parecia bastante sólida e respondia em parte à redução combinada da oferta negociada no interior da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo, em especial Arábia Saudita e Rússia), e em parte ao aumento da demanda pelos países consumidores.

Além disso, as tensões na Ucrânia e as ameaças europeias (vale observar as duras afirmações recentes dos responsáveis pelas relações externas da Alemanha) de que, frente a qualquer movimentação russa em relação àquele país, interromperão o avanço do gasoduto ligando Rússia e Alemanha pelo Mar Báltico – o que representaria uma Alemanha pressionando outros fornecedores por petróleo e gás, e talvez pressionando também os preços. Ou seja, os preços do petróleo devem continuar subindo, e talvez mais rapidamente do que até aqui. Mantida a política de preços para os derivados de petróleo, adotada pelo governo brasileiro até agora, isso significa mais aumentos dos preços aqui dentro.

Somados esses dois componentes, eles podem se potencializar. Para quem contava com uma baixa expressiva do patamar de inflação de mais de 10% do ano passado, pode ser uma notícia ruim. Sem alterar a política de preços dos derivados, vai ser difícil fazer baixar a inflação interna no Brasil.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone

Clique aqui para ler “A volta do tema inflação”, do mesmo autor.