No domingo, 22 de outubro, a Argentina terá o primeiro turno eleitoral de suas eleições presidenciais. Pelo que se vê até aqui apontado pelas pesquisas eleitorais, teremos um segundo turno entre dois candidatos que disputam cabeça a cabeça o primeiro turno, com cerca de um terço dos votos cada um deles: o candidato peronista Sérgio Massa e o candidato da extrema direita Javier Milei. Um pouco atrás (com algo entre 25% e 30%, segundo cada pesquisa) vem a candidata Patrícia Bullrich, da direita mais tradicional, embora também com um discurso radicalizado pela direita. Os dois outros candidatos, Myriam Bregman, da Frente de Esquerda e de Trabalhadores (extrema esquerda), e Juan Schiaretti, de Fazemos por nosso País (ex-governador de Córdoba, que disputa por uma frente de forças regionais) ficam com cerca de 5% cada um deles.

Segundo a Constituição argentina, as eleições vão ao segundo turno se nenhum dos candidatos conseguir 45% dos votos, ou 40% com 10% de vantagem sobre o segundo colocado, situações que não estão se configurando até aqui. E, de acordo com as pesquisas, o primeiro turno vai fazendo recordar o velho tango imortalizado por Gardel – “Por uma cabeza”.

Assim, caminhamos para um segundo turno no dia 19 de novembro. Em um mundo turbulento, em que à guerra na Ucrânia se soma agora o conflito em Israel, os argentinos parecem não querer refresco, e vão optar por três semanas de guerra eleitoral entre o primeiro e o segundo turnos. De um lado, um representante do peronismo, de tudo o que baliza a política argentina há quase 80 anos, com todas as suas ambiguidades, mas que é o conhecido. De outro, o representante da extrema direita, de uma sociedade que se revolta com sua crise permanente e se desespera na busca de alternativas que se apresentam muito mais no plano de um discurso raivoso e desconexo do que em propostas novas e viáveis.

A grande pergunta que se coloca nesta disjuntiva, se ela prevalecer, é até que ponto Milei de fato é o novo. Apesar de se vender como um “candidato antissistema”, como alguns em vários países nos últimos tempos, o populismo de Milei não é novo em uma Argentina em que o populismo é o tom das eleições há décadas.

Tampouco é novo o discurso anticomunista, já que os vários governos militares, ao longo destas últimas décadas desde o pós-guerra, também usaram esse discurso e isso inclusive em um momento em que ele fazia até mais sentido, no quadro da guerra fria. O negacionismo adotado como discurso frente às mudanças climáticas é novo na Argentina, embora não o seja a nível mundial, mas a sua associação a um projeto extrativista vinculado à exportação de minerais, energéticos e produtos da agropecuária não é nenhuma novidade em sua essência, face ao discurso tradicional do agrarismo argentino. Embora a proposta (pouco factível) de acabar com o Banco Central seja uma novidade, o liberalismo extremado não é e fracassou muitas vezes na Argentina, como com Martinez de Hoz durante a ditadura iniciada nos anos 1970, ou mais recentemente com Menem e, mais próximo ainda, com Macri. A crítica ao Mercosul, que “amarraria” as possibilidades da inserção internacional da economia argentina também vem de longe, tendo sido adotada por vários candidatos e governantes desde o início do processo de integração. Mesmo a dolarização da economia, de certa maneira, não é novidade, vigorou de certa forma no governo Menem, nos anos 1990, com o rótulo da conversibilidade. Todas essas propostas, evidentemente, fracassaram em alterar o rumo de uma decadência de longo curso da economia argentina.

Como se vê, para além da imagem das costeletas ao lado das orelhas, Milei tem muitos pontos em seu programa que reproduzem Menem nos anos 1990 – curiosamente, um peronista, “carimbo” que serve para uma gama extremamente ampla de visões na sociedade argentina.

De fato, a Argentina se encontra em uma encruzilhada estratégica, onde dois pontos devem ser ressaltados.

De um lado, uma parceria econômica e financeira com a China, principal parceiro comercial argentino, importante investidor, e talvez o último recurso para financiamento de projetos estruturantes para a economia argentina, mas que oferece ao país um papel extremamente clássico do ponto de vista de funcionamento econômico, como grande exportador de “commodities” extrativas, e importador de produtos manufaturados.

De outro, a possibilidade de uma reindustrialização do país através do processo de integração econômico-regional, via Mercosul, mas não só. Não significaria abrir mão da possibilidade extrativista, mas integrá-la com outras possibilidades a partir das possibilidades abertas para a integração regional que inclusive se encontram fortalecidas pelo ambiente internacional desde a pandemia e a guerra na Ucrânia. Milei, com o discurso anticomunista de ruptura com a China, e com as críticas ao Mercosul, consegue jogar fora as duas possibilidades, sepultando os caminhos possíveis para a sociedade argentina sem colocar nada no lugar.

Massa, por outro lado, apesar de representar algo muito conhecido e ser um político para lá de tradicional, adota um pragmatismo absoluto, em que não abre mão de nenhuma das possibilidades. Se vai ganhar e conseguir avançar em algum dos rumos é a incógnita.

A ver os caminhos que nossos vizinhos vão escolher nas próximas semanas. Nos processos das PASO, as primárias obrigatórias na Argentina, tivemos surpresas. Talvez possamos ter nas eleições. O gosto pelo tango mostra que situações trágicas são do gosto de nossos vizinhos. Temos que torcer para que a opção dos argentinos não seja por uma tragédia muito aguda, que reacenda uma crise na região e sepulte a possibilidade da integração regional, caminho fundamental para o Brasil.

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Revisão: Celia Bartone
Leia também “Argentina: um governo Javier Milei é inevitável?“, de Eduardo Scaletsky.