Os especialistas Pedro Hallal e Jurema Werneck na CPI da Covid-19.

Chamo a atenção para os depoimentos dos especialistas Pedro Hallal e Jurema Werneck na CPI da Covid no dia 24 de junho. O quadro pintado, e muito bem fundamentado pelos convidados, mostra o impacto dramático da postura negacionista do governo sobre os números da Covid no Brasil. O resumo das duas apresentações, que foram absolutamente técnicas, indica que, caso o Brasil tivesse tido um desempenho similar à média mundial, teríamos por aqui cerca de 400 mil mortes a menos do que temos até agora. Partindo então do pressuposto de que o Brasil era capaz, dado o seu reconhecidamente bom sistema de saúde, de se manter na média mundial, senão acima, podemos atribuir essas 400 mil mortes a mais ao negacionismo científico. Em termos absolutos, se o Brasil estivesse na média mundial, quatro em cada cinco vidas perdidas para a Covid teriam sido poupadas.

Além disso, os dados levantados pela pesquisadora Jurema Werneck mostram que a Covid impactou de modo desigual os diferentes estratos da sociedade, com grande reverberação étnica devido às desigualdades entre negros (+ pardos) e brancos. Dessa forma, a persistente e equivocada ideia do governo de promover a “imunidade de rebanho” pelo estímulo à proliferação livre do vírus passa a configurar-se não somente como uma experiência bizarra com as vidas humanas, mas também como um tipo de morticínio étnico.

Os pesquisadores enfatizaram também a importância de se lidar com os números da pandemia em uma perspectiva relativa, sempre tendo em mente percentuais diante das populações totais. Mostraram que, apesar de o Brasil ter uma população que corresponde a 2,7% da população mundial, até agora concentrou 13% das mortes. Mais impressionantemente, no dia anterior à entrevista, de cada três pessoas mortas pela Covid no mundo, uma era brasileira.

Também do ponto de vista global, ficou evidente que o Brasil não consegue sequer estar entre os 80 países que mais vacinaram suas populações (duas doses). Além disso, o Brasil é ratificado como um dos piores desempenhos diante da pandemia em quaisquer dos critérios adotados nas análises e em qualquer amostra de países escolhida. Por exemplo, o Brasil foi o pior entre os países do grupo “BRICS” e o segundo pior na América do Sul em número percentual de mortes. Internamente, como já amplamente divulgado e demonstrado, existe uma correlação positiva entre os municípios que mais votaram no atual presidente e o número de mortes por Covid, o que pode indicar que os habitantes desses municípios confiaram mais no desprezo por ele demonstrado em relação a medidas protetivas (como o uso de máscaras).

Para piorar a situação, segundo o relato do Dr. Hallal, o Ministério da Saúde, já sob o comando do General Pazuello, interrompeu abruptamente e sem justificativa o mais importante estudo conduzido no Brasil sobre a disseminação da doença, o EPICOVID, da Universidade Federal de Pelotas. O pesquisador apontou, inclusive, um ato de censura em uma das apresentações do programa, que custou 12 milhões de reais aos cofres públicos. Segundo o relato, o EPICOVID foi, aparentemente, substituído por um outro programa similar cujos dados não chegaram ainda a público nem são do conhecimento de profissionais da área, a despeito de ter um orçamento cerca de 20 vezes maior.

Os números dramáticos e anormalmente altos que a pandemia alcançou no Brasil estariam então associados à atuação negacionista do governo em várias perspectivas. Esse negacionismo científico nos custou ao menos 400 mil vidas. Os principais pontos levantados foram: a falta de comando do governo federal; a inexistência de campanhas pela adoção de medidas não farmacológicas de prevenção, como o uso de máscaras e o distanciamento social; a lentidão na vacinação; a falta de estímulo e até censura a programas independentes de pesquisa; e a promoção de tratamentos ineficazes, como a hidroxicloroquina, que conferiam à população uma falsa sensação de segurança.

O vídeo aqui sugerido é de fundamental importância para tirar quaisquer dúvidas sobre a participação do negacionismo como corresponsável pelo desastre brasileiro no combate à pandemia. Talvez assim consigamos entender a gravidade de, em pleno crescimento da crise, nosso presidente tirar máscaras de crianças em meio a aglomerações.

Abaixo o vídeo completo da sessão, com um pouco mais de 8h.

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