Passei o último fim de semana em um resort em Mangaratiba, na Costa Verde fluminense. O caminho para lá passa, inevitavelmente, pela Avenida Brasil. Na volta, não pude deixar de refletir sobre o contraste entre o hotel de luxo, frequentado por famílias de classe média alta e alta e a enorme quantidade de favelas que margeiam a via na maior parte de sua extensão.

Com 58,5 quilômetros de extensão a Avenida Brasil corta 26 bairros da cidade e tem um fluxo diário de 800 mil veículos. Começa nas proximidades da Zona Portuária e se estende até Santa Cruz, divisa com Itaguaí. Foi inaugurada em 1946 e teve seu trajeto estendido até a Zona Oeste em 1961. Seu surgimento está associado à expansão da cidade para zonas residenciais mais afastadas da região central, ainda na primeira metade do século XX, passando a servir como porta de entrada do Rio por via rodoviária, o que até então era atrelado por via marítima ou pelo caminho percorrido pelos trens.

A Avenida Brasil já foi símbolo do progresso do País e do desenvolvimento da indústria automobilística, tendo abrigado também a sede de dezenas de empresas que movimentavam a economia dos bairros adjacentes, pela ordem: São Caju, Vasco da Gama, Benfica, Bonsucesso, Maré, Ramos, Olaria, Penha, Cordovil, Vigário Geral, Parada de Lucas, Vista Alegre, Irajá, Coelho Neto, Fazenda Botafogo, Barros Filho, Guadalupe, Ricardo de Albuquerque, Deodoro, Vila Militar, Magalhães Bastos, Realengo, Padre Miguel, Bangu, Vila Kennedy, Santíssimo, Campo Grande e, finalmente, Santa Cruz.

Com o crescimento da cidade e dos veículos em circulação, a partir de meados da década de 80 o tráfego torna-se caótico. A decadência no seu entorno avançou a passos acelerados, contribuindo para isso também a degradação dos conjuntos residenciais erguidos ao longo da pista, convertidos em favelas de concreto.

A chegada do crack às favelas nos anos 2000 levou, em pouco tempo, a formarem-se exércitos de zumbis que vagam entre os carros retidos nos engarrafamentos causados por obras e acidentes. A presença dos viciados na terrível droga é mais ostensiva no trecho à altura da Favela da Maré, onde é mais fácil obter a substância.

Este quadro de decadência, associado à violência, soou o sinal de alerta nas empresas, que migraram para outros pontos da cidade, aumentando ainda mais o abandono da via expressa. As obras do BRT Transbrasil, interrompidas, deixaram esqueletos de estações que servem apenas para tornar o trânsito ainda mais confuso e provocar acidentes nas agulhas que foram criadas.

O trecho entre Bonsucesso e Guadalupe é onde a miséria fica mais visível, com os barracos construídos a poucos metros do trânsito frenético. Perto de Irajá, a elevação da pista permite vislumbrar um verdadeiro oceano de favelas dos dois lados da avenida, a perder de vista.

São milhares e milhares de pessoas abandonadas pelo Poder Público e ignoradas pelo restante da sociedade. Sofrem com a falta de acesso a educação e saúde decentes e com as condições de higiene pra lá de precárias. Convivem com a violência do tráfico, das milícias e da própria polícia que deveria protegê-las. É um mundo onde o esgoto corre a céu aberto, ratos proliferam e crianças e adultos têm doenças que há muito foram erradicadas em países civilizados.

Nas margens da Avenida Brasil muitas crianças não estudam e a maior parte dos adultos não tem uma ocupação decentemente remunerada, vivendo de bicos ou simplesmente não fazendo nada. É o desalento. A alternativa é o crime, que recruta adolescentes cada vez mais novos, roubando-lhes o futuro.

Lazer são os bailes funk que acontecem nos finais de semana, mesmo em tempos de pandemia. As aglomerações garantem a venda de drogas que remunera os bandidos.

Os bairros que margeiam a Avenida Brasil já foram um dia sinônimo de tranquilidade e boa convivência entre vizinhos, com cadeiras na calçada para longas conversas e confraternizações. Hoje, são apenas sinônimo de pobreza e violência.

Mas provavelmente os endinheirados que por ali passam em carros blindados rumo às suas mansões ou aos resorts de luxo do litoral sul do estado do Rio não se comovem com a miséria ao seu redor. Para eles, é melhor fingir não ver a tragédia exposta todos os dias na Avenida Brasil.

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