Boas iniciativas do STF e do Senado
Vivemos um momento de mal-estar geral. No mundo, vemos a volta do vale-tudo protecionista de uma guerra comercial em que todos perdem e o aumento das guerras territoriais de limpeza étnica, junto com a “normalização” de governos autoritários como os de Putin, Netanyahu e Trump.
No Brasil, vivemos um certo cansaço. Apesar da boa gestão da economia, com crescimento de 3,6% e desocupação em declínio, a sensação térmica percebida pela população não leva em conta esses indicadores (a metáfora é de Wagner Gomes, da CBN). Prevalece a angústia com o preço dos alimentos. E ricos e pobres estão cansados da violência e do trânsito que paralisa as cidades. Da carnificina a que têm que se submeter os entregadores de aplicativos para cumprir metas em suas motos. Das cidades cheias de pedintes. Da educação de baixa qualidade para a maioria do povo pobre. Da saúde que não dá conta do atendimento a quem não pode ter um plano privado. Da apropriação de recursos públicos por setores privados e pelos altos estamentos da burocracia. Da falta de esgotamento sanitário.
A sensação é a de que o país é inviável. Problemas estruturais a demandar consensos, ainda que parciais, para enfrentá-los. Soluções que deveriam ser buscadas pelos três poderes. Por todos os entes federados. E pelo setor privado. A angústia contra tudo isso, lógico, atinge mais quem está no leme do país. Mas todos temos nossas doses de culpas. Querer culpar apenas o presidente da República é, no mínimo, ingenuidade. Ou, o mais das vezes, ideologização e politização oportunista do debate sobre o diagnóstico e as soluções para tantos problemas.
A semana que passou trouxe dois exemplos que poderiam indicar caminhos. Um veio do STF, sobre a questão da segurança pública. O irônico é que os ex-pares do atual ministro da Justiça deram uma resposta ao seu longo blá-blá-blá sobre a tal PEC da Segurança. Provocado, o STF julgou a “ADPF das Favelas” e estabeleceu um plano para combater a letalidade policial nas operações contra o crime organizado nas comunidades do Rio de Janeiro.
Na sessão, estavam presentes movimentos sociais, a ministra de Igualdade Racial Anielle Franco, o governador Cláudio Castro, o prefeito Eduardo Paes e os deputados Pastor Henrique Vieira e Tarcísio Mota. Visões e interesses diversos, mas todos apoiando o roteiro traçado pelo STF. A provar ser possível algum consenso parcial em tema tão complexo.
Flávio Dino sintetizou o problema: “o crime organizado é estruturado com financiamento das milícias e na lavagem de dinheiro; o que tem de principal no crime organizado no Rio de Janeiro não está nos bairros populares. Não está nos morros, nem nas periferias. Na verdade, está no asfalto; segurança pública não é dar tiros aleatoriamente. Se tiver que dar, eventualmente, fazê-lo com método, no uso da força legítima pelo Estado”. O presidente Barroso afirmou que o objetivo é investigar a participação dos grupos criminosos e “suas conexões com agentes públicos, com ênfase na repressão às milícias, aos crimes de tráfico de armas e de drogas e à lavagem de capitais”.
O plano de ação do STF faz determinações na direção correta. Elaboração de um plano de redução da letalidade pelo Estado. Elaboração de um plano para retomada de áreas territoriais sob o domínio de organizações criminosas. Garantia de recursos à PF para estrutura, equipamentos e pessoal necessários à execução de forças-tarefas. Que a PF instaure um inquérito, com equipe em dedicação exclusiva e permanente, para investigar a atuação dos grupos criminosos violentos em atividade no RJ e suas conexões com agentes públicos. Atuação em conjunto da PF com as polícias estaduais contra as organizações criminosas. Uso de câmeras corporais pelos policiais e suas viaturas. Que a PF abra inquérito para apurar crimes com repercussão interestadual e internacional e violações de direitos humanos nas comunidades pelo crime organizado. Que o Coaf, a Receita Federal e a Secretaria Estadual da Fazenda atendam pedidos nas investigações. Obrigação de autópsia em casos de mortes decorrentes de ações policiais. Obrigação do estado de criar programas de assistência à saúde mental dos agentes de segurança. Dever de respeito à proporcionalidade no uso da força, especialmente nos horários de entrada e saída das escolas, permitindo-se o ingresso da polícia em casos excepcionais de uso dos estabelecimentos para a prática de crimes.
Estas são medidas corretas que foram apoiadas por diferentes atores e forças políticas e um exemplo do que o país poderia fazer para resolver os graves problemas da educação, da saúde, do saneamento e do trânsito.
No mesmo sentido de “crise de sensatez”, o Senado Federal acaba de dar outro exemplo: por unanimidade, aprovou o “Projeto da Reciprocidade”, autorizando o governo federal a tomar medidas que respondam à imposição de tarifas e barreiras às exportações brasileiras por governos iliberais como os de Donald Trump.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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