O Brasil está dependente comercialmente da China

O período mais recente foi marcado por uma relação política de “perfil baixo” com a China, diferente de outros momentos do passado recente em que o anterior chanceler brasileiro assumia posturas mais abertamente ideológicas e pró-EUA, ou simplesmente reforçava opiniões de setores mais duros do governo Bolsonaro, como os próprios filhos do presidente, com críticas abertas aos chineses.

Entretanto, nos meses mais recentes, a China voltou à pauta, especialmente pela reunião da 13ª Cúpula dos BRICS no começo de setembro (virtual, porém dois dias depois da diatribe golpista do presidente brasileiro no 7 de setembro), da qual participaram os chefes de governo dos cinco países que compõem os BRICS. Com todo discurso pró-EUA e anti China e Rússia do atual governo, ele não teve capacidade política e diplomática de se afastar do grupo de países BRICS, do qual participa junto com esses dois países e mais Índia e África do Sul. A China também voltou à pauta pela reunião de alto nível do último dia 21/10 entre o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Carlos França, e o ministro de Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi.

Essas conversas se deram em um quadro internacional de aberta disputa, onde o tom tem subido entre o governo chinês e o governo estadunidense. De fato, o grande mote dos projetos trilionários aprovados pelo governo Biden nos EUA é preparar o país para uma corrida pela disputa da hegemonia com a China, o que também tem se refletido em tensões militares, em especial no Mar do Sul da China, que aparecem mais abertamente como uma disputa em torno da posse chinesa sobre a ilha de Taiwan, hoje com um governo autônomo. O Mar do Sul da China é por onde passa boa parte do comércio chinês, em especial o comércio marítimo para o Sul e Sudeste da Ásia, a África e o Oriente Médio, e a Europa, sendo, portanto, absolutamente estratégico para a China.

Mas, evidentemente, a tensão comercial e militar na região é parte de uma disputa maior pela hegemonia nas próximas décadas entre as duas potências. Envolve ainda o chamado projeto “Um Cinturão, Uma Rota”, também conhecido como a “Nova Rota da Seda”, em que parte de sua vertente marítima passa pela região. O projeto não é apenas um projeto comercial e/ou de investimentos, mas uma expressão do novo poder mundial que a China vai assumindo. Assim, as conversas recentes entre o Brasil e a China se deram dentro desse quadro.

Mas também não podem ser desconsiderados dois componentes mais conjunturais da conversa, ambos fundamentais. De um lado, a China teme que a proximidade do governo brasileiro com os interesses dos EUA acabe afastando ou restringindo as possibilidades chinesas no leilão de implantação da tecnologia 5G no Brasil, que prevê investimentos diretos de cerca de R$ 200 bilhões nas próximas duas décadas só para a montagem da infraestrutura, fora a vantagem que o ganhador da tecnologia assumirá para o futuro, com reposições e ampliações de equipamentos, além dos investimentos indiretos associados à montagem inicial da infraestrutura. Do lado brasileiro, preocupam, e muito, as restrições aos embarques de carnes brasileiras para a China, suspensos no começo de setembro com a identificação de contaminação pelo chamado “mal da vaca louca” (encefalopatia espongiforme bovina), e que ainda não foram retomados, ao invés de uma retomada rápida que era prevista inicialmente. Aliás, a previsão agora se estende para o final do ano, sem muitas certezas. Curiosamente, essas datas fazem alguns analistas (e setores do próprio governo brasileiro) suspeitarem de que com isso o governo chinês faz uma conexão entre os dois temas, já que o leilão do 5G está previsto para acontecer até o final do ano.

Olhando para a balança comercial brasileira, observa-se que o Brasil tem sido extremamente dependente do comércio com a China no último período. Esse comércio subiu vertiginosamente ao longo desse século. Enquanto as importações da China pelo Brasil foram de US$ 1,7 bilhão em 2001 a US$ 35,4 bilhões em 2020, as exportações para a China foram de US$ 2,4 bilhões para US$ 70,1 bilhões no mesmo período. Em 2021, a China responde por cerca de 23% das importações do Brasil até setembro, e cerca de 34% das exportações do Brasil se destinam àquele país nesse mesmo período – só para ter uma ideia da distância aqui, o segundo destino das exportações brasileiras são os EUA, que respondem por cerca de 10%. As exportações são extremamente concentradas em produtos primários, como ferro, petróleo, carnes e soja. Ou seja, o potencial de retaliação chinesa sobre o Brasil deixa o país em uma situação extremamente sensível frente aos interesses chineses.

Essa realidade econômica (além da balança comercial, deve ser acrescentado que os chineses são importantes investidores no país) não sustenta arroubos retóricos anti chineses, e muito menos o uso de mecanismos de governo para frontalmente contrariar importantes interesses comerciais e de investimentos chineses. Mas, em se tratando do atual governo brasileiro, quase tudo se pode esperar.

Vale acompanhar, porque usando uma figura popular, poderá se ver aqui a diferença entre “o doido e o doido que rasga dinheiro”.

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