Em um mundo conturbado, nada causa mais tensão do que a possibilidade de vitória de um discurso disruptivo, em especial em uma das maiores economias do mundo e em um país que é líder militar e disputa a hegemonia no cenário internacional, podendo perdê-la. Por isso, a possibilidade de vitória do candidato Trump nos EUA assusta, fundamentalmente. Mas gostaria de abordar aqui cinco questões específicas.

A primeira delas diz respeito ao significado de uma vitória de Trump para a democracia nos EUA. Vale lembrar que, no apagar das luzes do primeiro governo Trump nos EUA, em janeiro de 2021, uma multidão de apoiadores do então presidente Trump, derrotado em sua tentativa de reeleição, tentou subverter o resultado eleitoral. A partir de 5 de janeiro, milhares de seus apoiadores passaram a se reunir em Washington, capital dos EUA, para tentar inviabilizar a reunião do Colégio Eleitoral que se daria no dia 6, no Capitólio, prédio do Congresso dos EUA.

Como é sabido, a eleição presidencial nos EUA não é propriamente direta, os eleitores escolhem delegados estaduais e esses se reúnem e elegem o presidente. Os delegados são conhecidos, seus votos são conhecidos, e eles se reúnem no Colégio Eleitoral, que é presidido pelo presidente do Senado (que, no caso dos EUA, não é um senador, mas o vice-presidente da República), para sancionar os resultados das eleições, elegendo o presidente.

Pois bem, depois de tentar questionar na Justiça resultados em alguns estados, e de insistir para que o seu então vice-presidente não procedesse à tomada de votos do Colégio Eleitoral, sem sucesso, o então presidente Trump instigou seus apoiadores a impedir que fosse sacramentada a vitória do candidato Biden, atual presidente, buscando inviabilizar a reunião do Colégio Eleitoral. Com esse objetivo, parte de seus apoiadores que estavam na capital invadiu o prédio do Capitólio, promovendo vandalismo e tentando impedir o ato final da eleição. O ataque terminou fracassado pela reação da polícia na proteção aos políticos, e por não ter conseguido maior apoio na opinião pública.

Mas, menos de quatro anos depois, é esse candidato, que não respeita o processo democrático, que se apresenta de novo ao eleitorado dos EUA. Se, derrotado, foi capaz de incitar seus apoiadores contra a institucionalidade democrática, é de se imaginar o que eventualmente poderá fazer, caso ungido pelas urnas, contra essa mesma institucionalidade.

O segundo ponto diz respeito à geopolítica e à institucionalidade internacional. O mundo enfrenta enormes dificuldades – crise climática, conflitos militares, turbulências econômicas e financeiras, e outras – em um ambiente de disputa de hegemonia entre os EUA e a China, mas que envolve outros países e regiões. A crise é evidente desde a aguda crise financeira de 2007-2008, que ainda se arrasta. Esse mundo complicado necessitaria, para que os ônus das crises se repartissem de forma menos desigual, de uma saída concertada. Essa saída se dá, evidentemente, com a tentativa da participação de todos, em um sistema internacional multilateral. Porém, o candidato a presidente de um dos polos da disputa hegemônica, Donald Trump, não dá muita pelota para saídas concertadas, e reafirma permanentemente uma visão unilateral dos EUA sobre o mundo e seu futuro.

O terceiro ponto diz respeito à questão militar. Temos um mundo com alguns conflitos abertos (Ucrânia, Palestina-Israel) e repleto de tensões potenciais (Irã, Taiwan/Mar do Sul da China, Coreia do Norte e outras). A posição tradicional dos EUA, desde que passou a país hegemônico, é belicista e unipolar, como mostram todos os governos estadunidenses desde o início do Século XX, ou até de antes, inclusive o atual governo Biden. Isso não se dá apenas pela defesa dos interesses econômicos e diplomáticos dos EUA, senão também por uma conexão carnal entre o aparato de poder estadunidense (econômico, financeiro, tecnológico e político) e a indústria bélica daquele país. Apesar de visões diferentes sobre a evolução da participação dos EUA nos conflitos militares no mundo (por exemplo, sobre a guerra na Ucrânia, é possível que Trump tenha uma visão diferente da do atual governo dos EUA, e prefira um fim rápido do conflito, com concessões por parte da Ucrânia, no sentido de se concentrar em outras frentes e tentar de alguma forma cindir a hoje coesa aliança entre China e Rússia), o discurso confrontacionista de Trump bate mais os tambores da guerra do que o atual governo, embora na prática isso possa representar poucas diferenças.

Uma importante questão diz respeito aos países da Europa Ocidental – enquanto o atual governo os vê como aliados a serem cada vez mais integrados militarmente, inclusive com a participação na OTAN, a visão de Trump parece ser colocar os países europeus como reféns de uma estratégia unilateral dos EUA. De todo modo, mais um fio desencapado no cenário internacional.

O ponto seguinte diz respeito à questão ambiental, e aí temos significativas diferenças. Enquanto o discurso e a coalizão política formada em torno de Biden defendem as soluções multilaterais para a emergência climática que estamos vivendo, tendo voltado a ser um suporte aos acordos internacionais, como o Acordo de Paris, o governo Trump, em seu período, foi negacionista da emergência climática e se afastou dos acordos internacionais existentes. O discurso do atual candidato ainda radicaliza o que foi a ação de seu período de governo, em defesa dos interesses do complexo produtivo dos combustíveis fósseis e da continuidade de um padrão de produção e consumo insustentáveis, em um mundo que parece que vai chegando a seus limites de pressão sobre o meio ambiente. Nesse ponto, a vitória de Trump mais uma vez seria uma tragédia para o futuro da humanidade, que já é bastante difícil a essa altura.

Finalmente, uma consideração sobre o Brasil e a América Latina. Uma das razões de as tentativas de ruptura institucional no Brasil por parte do então presidente Bolsonaro – antes, durante e depois do processo eleitoral de 2022, quando da vitória de Lula, e até depois da posse de Lula como presidente, nos tumultos e vandalismos em Brasília no 8 de janeiro de 2023 – não terem ido adiante, foi o sinal vermelho acenado várias vezes pelas autoridades dos EUA. Não vou nem precisar tecer muitas considerações aqui, mas imaginem o que teria sido com um governo Trump nos EUA. E dessa vez, ainda pior, com o atual presidente Milei operando em parceria com um eventual governo Trump, aqui do lado. O risco não seria só para o Brasil – no mesmo cesto, entrariam Chile, Bolívia, Colômbia e um eventual Uruguai em caso de vitória da Frente Amplia naquele país (não vou falar aqui da Venezuela, que tem eleições na semana que vem e obviamente poderia estar na linha de tiro, assim como de Cuba, para quem o risco está permanentemente presente, qualquer que seja o governo dos EUA). Dá para sentir a evidência do perigo.

Assim, muita coisa poderia ser dita sobre os perigos de uma vitória eleitoral de Trump nos EUA em novembro desse ano, mas achei por bem começar apontando os riscos sobre os quais não há muita dúvida.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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