No artigo “O intrigante cenário na disputa eleitoral de SP”, apresentei algumas falhas no nosso sistema eleitoral. Sugeri que considerássemos a adoção do método de votação por aprovação (Approval Voting). Esse método permite que os eleitores aprovem quantos candidatos desejarem, em vez de serem limitados a apenas uma escolha. O candidato com o maior número de aprovações (votos) é eleito.

O método por aprovação é simples de entender e amplamente visto como uma alternativa mais inclusiva e representativa aos métodos tradicionais, pois tende a eleger o candidato mais aceitável para a maioria. Além disso, a adaptação de nossas urnas eletrônicas teria um custo muito baixo para implementar esse sistema.

No artigo, também destaquei, conforme argumentado pelo cientista político americano Steven Brams, que esse sistema pode incentivar campanhas mais propositivas. Isso ocorre porque os candidatos têm menos incentivo para atacar diretamente seus adversários, uma vez que essa postura pode afastar eleitores que poderiam aprovar tanto eles quanto seus concorrentes.

Após a publicação do artigo, alguns leitores pediram que eu apresentasse mais argumentos e exemplos práticos da aplicação desse método. Em resposta, decidi compilar os principais argumentos defendidos pelo “The Center for Election Science“, uma organização dedicada à melhoria dos processos eleitorais. O Centro concentra seus esforços na promoção de métodos de votação que incentivem uma representação mais justa e precisa, como o método por aprovação.

Os motivos elencados pelo Center for Election Science para apoiar o sistema de votação por aprovação são os seguintes:

Resultados mais representativos:
O método reflete com maior precisão os valores e preferências dos eleitores, garantindo que o candidato eleito tenha o maior apoio geral.
Maior apoio geral:
O candidato vencedor é aquele que recebe o maior número de aprovações, o que diminui a eficácia de estratégias voltadas para dividir o eleitorado, como as candidaturas de aluguel, financiadas exclusivamente para fragmentar os votos de um adversário.
Empoderamento do eleitor:
Cada eleitor tem mais opções, o que obriga os candidatos a se envolverem de maneira mais ampla e significativa com o público.
Incentivo ao consenso:
Candidatos que constroem coalizões e buscam consenso tendem a se sair melhor. Diferentemente dos sistemas em que os candidatos precisam apenas mobilizar um bloco fiel de eleitores, no voto por aprovação, ser muito polarizador ou muito partidário pode afastar eleitores de outras correntes.
Suporte a candidatos aceitáveis:
Eleitores podem apoiar candidatos que, embora não sejam sua primeira escolha, ainda sejam aceitáveis, o que maximiza as chances de um resultado satisfatório.
Eliminação da divisão de votos:
O problema de divisão de votos entre vários candidatos parecidos desaparece, já que não há risco de divisão que prejudique um candidato viável.
Baixo custo de implementação:
O sistema pode ser facilmente aplicado nas máquinas de votação já existentes, tornando sua adoção pouco custosa. (The Center for Election Science)

Nos Estados Unidos, as cidades têm a liberdade de escolher seu próprio sistema eleitoral. No Brasil, contudo, qualquer alteração no sistema eleitoral para prefeitos requer a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no Congresso Nacional, um processo que demanda um alto nível de consenso político.

As experiências de St. Louis, em Missouri (EUA)

St. Louis e Fargo são as duas únicas cidades americanas que adotam o método por aprovação para eleger prefeito.

Até 2021, o sistema eleitoral de St. Louis era semelhante ao utilizado por municípios brasileiros com menos de 200 mil eleitores, no qual cada eleitor vota em um candidato e o mais votado vence em turno único. No entanto, esse modelo apresentava uma limitação recorrente: a possibilidade de um candidato ser eleito com uma porcentagem muito baixa de votos, especialmente em eleições com muitos candidatos de propostas semelhantes, resultando na fragmentação do eleitorado. Em casos extremos, isso poderia até levar à escolha de um “perdedor de Condorcet”, ou seja, um candidato que seria derrotado em confrontos diretos contra qualquer outro adversário, o que expõe uma falha significativa do nosso sistema.

Segundo Chris Raleigh, no artigo “Success Stories: St. Louis Before and After Approval Voting”, esse problema era particularmente visível na comunidade negra de St. Louis, que, sendo maioria, tinha vários candidatos concorrendo nas mesmas eleições. Entre 2015 e 2019, em oito eleições municipais, o vencedor obteve menos de 37% dos votos, e em cinco delas o vencedor teve menos de 20%.

Em 2021, St. Louis decidiu adotar o voto por aprovação para resolver essa questão. A mudança não exigiu financiamento adicional, apenas a adaptação das cédulas para permitir que os eleitores pudessem aprovar mais de um candidato. Uma pesquisa realizada em março de 2021 indicou que a transição foi bem recebida pelos eleitores: 81% apreciaram a simplicidade do novo sistema e 67% gostaram de poder expressar apoio a mais de um candidato.

Experimento de campo na eleição presidencial francesa em 2002

Experimentos de campo para testar o método de votação por aprovação já foram realizados em diversos países (por exemplo, na França em 2002, 2007 e 2012, na Alemanha em 2008 e em Benin em 2011). Esses estudos envolveram a entrevista de uma amostra representativa de eleitores no dia da eleição, com o objetivo de simular como os resultados poderiam se alterar caso os eleitores tivessem a possibilidade de votar em mais de um candidato. Inicialmente, os entrevistados informavam em quem iriam votar com o sistema tradicional, e, em seguida, indicavam quais candidatos aprovariam se pudessem escolher mais de um.

Na França, assim como no Brasil, as eleições presidenciais são realizadas em dois turnos. Em 2002, um acontecimento surpreendente para época marcou a eleição: o candidato de extrema direita, Jean-Marie Le Pen, avançou para o segundo turno contra Jacques Chirac. Esse resultado chocou os franceses, pois Le Pen era amplamente considerado um fascista e “perdedor de Condorcet”. Os resultados de um experimento de campo com o método de votação por aprovação indicaram que, se esse sistema tivesse sido utilizado, o candidato socialista Lionel Jospin, e não Le Pen, teria avançado para o segundo turno (Baujard e Igersheim  -2010) .

As evidências dos experimentos citados acima sugerem que o método por aprovação tende a favorecer a eleição de candidatos mais moderados, contribuindo para a redução da polarização no cenário político. Embora essa característica seja frequentemente vista como uma virtude, especialmente em tempos de alta polarização, ela também pode ter implicações negativas, particularmente no que diz respeito à inovação política e ao surgimento de candidatos com propostas mais transformadoras. Esses candidatos, apesar de contarem com apoio entusiasmado, geralmente têm o respaldo de grupos menores, o que os torna menos competitivos em um sistema que valoriza a aprovação ampla.

Em suma, não existe um sistema eleitoral perfeito. Um estudo importante seria quantificar o número de prefeitos eleitos no país com uma proporção baixa de votos, o que poderia fornecer insights valiosos sobre a real necessidade de reformas no sistema eleitoral. É também fundamental acompanhar a experiência de cidades que adotam diferentes sistemas de votação e realizar experimentos de campo, como os descritos acima, para avaliar as consequências da implementação de métodos de votação alternativos no Brasil.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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