Hoje começa a reunião do Copom que irá determinar a nova taxa Selic. A recente divulgação da queda na taxa de desemprego foi suficiente para que os operadores do mercado financeiro, mais uma vez, elevassem suas vozes recomendando ao Banco Central cautela na sua tímida política de redução dos juros. Eles são bons nisso, em gerar grandes ondas que afetam expectativas, praticamente sugerindo que todos elevem seus preços preventivamente. Será que o Copom, mais uma vez vai se render aos que acham que a inflação brasileira é causada pelo excesso de demanda e vai interromper a queda nos juros?
A economia brasileira está operando com capacidade ociosa desde o primeiro ano do governo Dilma 2, mas as políticas monetária e fiscal permanecem com o mesmo viés ortodoxo.
O grau de utilização da capacidade produtiva tem um papel fundamental para as decisões sobre políticas anti-inflacionárias, pois afeta as decisões de investimento. Por um lado, o grau de utilização da capacidade instalada afeta o fluxo de lucros brutos. A ociosidade afeta negativamente os lucros e, portanto, não estimula novos investimentos. Por outro lado, uma menor utilização da capacidade de produção vai reduzir a geração de caixa e a capacidade de endividamento, dificultando novas decisões de aumento nos investimentos.
O nível planejado de utilização da capacidade produtiva é o fator determinante fundamental da dinâmica do investimento. Uma queda não prevista no nível de utilização significa, diretamente, a suspensão de novos investimentos, devido a queda nas expectativas de taxa de lucro mesmo dispondo fundos internos abundantes, que tendem a ser dirigidos às aplicações financeiras ou mesmo redução do nível de endividamento.
A retração da acumulação interna, diante da capacidade ociosa excessiva, que certamente em parte foi financiada pelo endividamento, acaba resultando num ampliação indesejada do grau de endividamento.
Essa é uma das razões por que a carga agregada de juros sobre os lucros brutos tende a crescer quando se desaceleram os investimentos. Outra razão para o aumento da carga relativa de juros reside na capacidade de defesa do setor financeiro, cuja remuneração efetiva em títulos de renda fixa se amplia e também porque certos tipos de remuneração de renda variável (dividendos principalmente) são inelásticos à baixa dos lucros brutos.
Este conjunto de elementos limita as possibilidades de reação do setor empresarial produtivo. A flexibilidade para cima das margens de lucro, possível na fase de transição/concentração quando se podia eliminar produtores marginais com facilidade, desaparece no estágio oligopolista maduro. Uma decisão coletiva dos oligopólios para aumentar as margens de lucro seria uma decisão possível, porém, esta não é uma opção provável no universo concorrencial capitalista, onde a rivalidade permanece até mais intensa entre as empresas oligopolistas.
O que estamos dizendo é que numa economia onde a maioria dos setores opera em condições de oligopólio, a política monetária elaborada a partir de modelos de competição perfeita não funciona.
Os indicadores nos últimos dois anos mostram que a inflação não foi resultado de um excesso de demanda como querem fazer crer os condutores da política monetária e fiscal e os arautos do sistema financeiro. Inflação de demanda, em geral, é detectada pela aceleração do preço dos serviços e pela queda na taxa de desemprego.
Atualmente a inflação de serviços está em queda. A média dos núcleos de inflação está abaixo dos 4% ao ano, portanto, dentro do intervalo de tolerância da meta de inflação. E houve queda na inflação e redução do desemprego, cuja taxa caiu de 9,5% para 7,8% da população economicamente ativa (PEA).
Avaliar se uma economia está com demanda aquecida com impactos altistas nos preços exige mais do que mirar somente no nível de emprego/desemprego. O grau de utilização de todos os fatores de produção é que indica como está evoluindo a ocupação da capacidade instalada e como as empresas estão formando as suas expectativas com relação a novos investimentos e, aqui sim, a demanda é de suma importância.
O Banco Central tem publicado estimativas do grau de capacidade ociosa medida pelo conceito algo esotérico de “hiato do produto” nos modelos da economia neoclássica. Esse indicador mostra que ele está negativo há quase três anos. Portanto, é difícil supor que a inflação ocorra por excesso de demanda agregada.
A inflação brasileira dos últimos anos pós-pandemia foi causada pela sucessão de choques de oferta a nível global, que elevaram os custos de produção e que permaneceram por um tempo razoável. O choque, principalmente nas cadeias globais de valor, pressiona a inflação, especialmente nas economias abertas, com moeda não conversível e com os preços com maior peso nos núcleos de inflação não impactados ela demanda interna.
A crise sanitária da covid-19 e, em seguida, a guerra da Ucrânia desorganizaram a logística das cadeias globais de valor, gerando extensas filas nos portos, altas nos fretes, falta de matérias-primas, escassez de componentes eletrônicos e chips e vários outros problemas de suprimentos inclusive de alimentos.
As decisões dos países produtores de commodities e fertilizantes, principalmente na área da guerra da Ucrânia, afetaram custos importantes dos preços de produtos agropecuários e industriais. No Brasil, os preços do grupo alimentação acumularam uma alta de 44% e os industriais de 28%, desde o início de 2020 com o início da pandemia da Covid-19 e foram os que mais pressionaram o IPCA.
Agora em 2023, a inflação de custos começou a arrefecer. Porém, resta saber se o Banco Central vai utilizar as suas próprias informações sobre o grau de utilização da capacidade produtiva para balizar a política monetária.
O investimento é uma função dos lucros retidos que, por sua vez, dependem da utilização da capacidade, do serviço da dívida e das taxas de juros. Os ciclos de gastos com investimentos vêm das interações entre investimento, lucros retidos, capacidade de produção e dívida. Portanto, o espaço que as taxas de juros têm de afetar o investimento das empresas é grande pelo encarecimento da dívida e retração da demanda. Isso causa uma expectativa negativa sobre o retorno futuro do investimento.
A inversão da tradicional lógica entre os recursos destinados ao investimento e aqueles utilizados para aumentar os ganhos dos acionistas e a remuneração da alta gerência por meio de opção de ações (stock options) revelou a associação de interesses entre gestores e acionistas e estimulou a recompra das ações das próprias empresas com o propósito de valorizá-las e favorecer a distribuição de dividendos. As outras práticas características da financeirização, como fusões e aquisições, o planejamento tributário nos paraísos fiscais, e a pressão dos mercados financeiros pela transparência das demonstrações de resultados para promover a atualização do valor das participações nas aplicações financeiras mostra claramente o predomínio da lógica financeira sobre a produtiva.
No Brasil, a lógica tem sido a mesma. Porém, os instrumentos financeiros são distintos, o rendimento dos títulos públicos e as operações de arbitragem entre a taxa de juros e a taxa de câmbio refletem bem a lógica da financeirização.
O Banco Central, ao que parece, desconhece esses efeitos da financeirização sobre os investimentos produtivos. Será que o Ministério da Fazenda conhece?
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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