Essa expressão era comum nos tempos em que as discussões no botequim eram fato comum na vida social. Se a aplicarmos para a economia brasileira, pode-se dizer que quanto mais calor é gerado, mais a fumaça do motor encobre o fato de que não se sai do lugar e corre-se sério risco de quebrar o motor e o carro descer ladeira abaixo.

A grande mídia e a Faria Lima não se cansam de afirmar que o que se pretende é dar calote em precatórios e romper o teto de gastos para viabilizar pretensões eleitorais do governo. Ora, um governo em pretensões eleitorais não é governo. Mas essa argumentação pretensamente ética procura esconder o essencial: a defesa irrestrita do “Teto de Gastos” como norma institucional da estabilidade econômica.

Essa visão de política econômica não corresponde aos fatos do desempenho real da economia após as reformas liberalizantes do governo Temer com as afamadas reformas da CLT, da previdência e fiscal (“Teto de Gastos”). A Ponte Para o Futuro não levou a lugar nenhum e aprofundou a já profunda desigualdade social.

A promessa de mais investimento, crescimento, emprego e melhoria das condições gerais de operação da economia não aconteceu. O governo atual, em sua sanha de destruição das instituições garantidoras do bem-estar social, praticamente abandonou áreas importantes para o futuro como educação, ciência e tecnologia e saúde. O negacionismo se transformou na única política em vigor.

O mais interessante é que o tão propalado ajuste fiscal expansivo ocorreu com resultados pífios, que a grande mídia e os “farialimers” procuram esconder.

Alguns dados ajudam a entender a falência dessa visão de política. No começo do governo do Bozo, a despesa pública era de 19,5% do PIB. As previsões para 2022 indicam que ela será de 18,5% do PIB. Se obedecesse aos ditames do “Teto de Gastos”, ela seria de 17,5%. Isso não vai ser alcançado, embora uma queda de participação do gasto público nas condições de recessão e pandemia não seja um resultado ruim para os padrões neoliberais. Mas isso foi conseguido pelo arrocho salarial dos salários do setor público que somavam 4,3% do PIB em 2020, caíram para 3,8% em 2021 e, sem reajuste previsto no orçamento de 2022, serão ainda menores, 3,7% do PIB. Ou seja, da redução de 1% da despesa pública, 60% são devidos ao arrocho salarial. Isso significa queda de demanda, principalmente em termos de forte restrição das atividades econômicas no setor privado.

O Monitor Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que o Brasil foi o país emergente de melhor resultado fiscal primário de 2018 a 2019. Mas também nesse período a dinâmica da economia brasileira não corresponde aos preceitos da agenda neoliberal. A economia cresceu 1,4% a.a. em média no período de 2017 a 2019, depois da Ponte Para o Futuro. No período 2011-2014, antes da Ponte Para o Futuro, tinha crescido 2,35% a.a. em média.

O mesmo se pode apontar sobre a dinâmica da taxa de investimento, que foi de 15,1% no período 2017-19 e de 20,5% no período 2011-14. A taxa de investimento atual apenas repõe a depreciação do capital existente. A fada Confiança não desceu do céu para fortalecer o ânimo dos empresários para aumentar a capacidade de produção e a modernização da estrutura produtiva.

Mais interessante ainda são os dados (ABDID) que mostram uma alta proporção de investimento privado no total do investimento da economia, em comparação com outros países. Porém, na ausência de direcionamento do investimento público (em torno de 1,0% a 1,5% do PIB) existem limites para a diversificação do risco. Sem a elevação do investimento público e o seu direcionamento para as áreas de maior incerteza e risco, como inovação, tecnologia e infraestrutura, a fada Confiança não produz milagres. Os investimentos públicos estão em valores que ficam sistematicamente abaixo da depreciação do estoque de capital.

Para piorar a situação, surgiram novos problemas como os elevados preços dos combustíveis e da energia, em grande parte oriundos da ausência de uma política consistente para o setor. Sem segurança e confiança para a previsão do comportamento futuro dos preços de energia não existe planejamento do investimento. Com isso, a produtividade e a competitividade se reduzem, levando o emprego, a renda e as expectativas positivas a se deteriorem mais ainda.

Nesse contexto conturbado, surge a solução articulada pelo Centrão para, supostamente, resolver o problema da restrição fiscal produzida pelo “Teto de Gastos”, que produz uma articulação de contrários. O Centrão querendo recursos para as emendas de relator (orçamento secreto) e a Faria Lima na chantagem de sempre, de quebra das regras fiscais e da insolvência do setor público.

A PEC dos precatórios surge como solução para falso problema. Primeiro, não existe risco de insolvência. A situação fiscal do país é superavitária até setembro (R$14 bilhões), devido ao resultado de estados e municípios e ao aumento da inflação. Segundo, existe espaço fiscal para pagar o auxílio emergencial e os precatórios com a quebra do “Teto de Gastos” em menor valor e sem criar uma explosão de pagamento de precatórios, com os restos não pagos de anos anteriores se assomando aos da não corrente, e, aí sim, produzindo um encilhamento do orçamento público.

A PEC dos precatórios está causando todo esse rebuliço e aumentando o poder de chantagem dos “farialimers” para elevar a taxa de juros que só vai gerar mais recessão e aumento da dívida pública como proporção do PIB, dado que a inflação é custo (choque de oferta), e abrir espaço, sob a desculpa de arrumar recursos para o auxílio emergencial, para as emendas de relator.

Mas o pior é que em 2021 o gasto conjunto do auxílio emergencial e do Bolsa Família atinge cerca de R$ 140 bilhões. Para 2022, está prevista uma queda para R$ 80 bilhões e a retirada de quase 20 milhões de cidadãos que recebiam o auxílio, dado que o Auxilio Brasil só vai atender 17 milhões. Eles ficarão sem nenhuma assistência social.

Nota-se que toda a prometida entrada em prosperidade não ocorreu, mesmo em presença de um forte ajuste fiscal. O “Teto de Gastos” é prova disso. Causou mais confusão do que solução. Um sistema fiscal deve ter flexibilidade e ser capaz de resistir aos choques sem detonar uma crise de confiança como a atual. A sua estrutura deve ser para funcionar de modo anticíclico, para diminuir a volatilidade, dada a nossa inserção internacional baseada na exportação de commodities e dependente da importação de tecnologia e bens de capital. O Brasil precisa de um regime fiscal que seja capaz de fornecer serviços públicos de assistência social, saúde e educação e de articular investimentos públicos que vão diminuir a incerteza e o risco do investimento privado.

Sem isso o carro não sobe a ladeira nem com roda livre.

***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone 

Clique aqui para ler outros artigos do autor.