Falar de Fundo Soberano (FS) envolve compreendermos a existência de uma importante ferramenta, utilizada internacionalmente, relacionada diretamente às capacidades estatais, administrativas, técnicas, institucionais e políticas dos entes federativos no desempenho de suas funções de planejamento e implementação de políticas públicas nacionais, estaduais e locais. Nossos entes federativos contam com volumosas rendas extraordinárias advindas da compensação financeira oriunda, por exemplo, da exploração do petróleo na costa brasileira. Nesse contexto, seus gestores são constantemente confrontados pela necessidade de administrar com sabedoria e adequação essa fonte de recursos orçamentários vinda de uma riqueza finita, cuja cotação internacional tem forte componente geopolítico e alta volatilidade. Em março último, o governo brasileiro, através de Medida Provisória, regulamentou o Fundo Social do pré-sal destinando recursos da exploração da camada de alta produtividade de nossos recursos minerais para aplicação em projetos na área social. Alasca, Catar, Abu Dhabi, Noruega, Arábia Saudita e Singapura são países que priorizam esse instrumento de financiamento em suas políticas desenvolvimentistas, financiando programas de transição energética, entre outros.

Sabemos que a exploração de recursos naturais tem alto potencial de gerar riquezas, mas também pode resultar na convivência de um país, ou uma região, com baixo crescimento das outras atividades produtivas, degradação ambiental, dependência tecnológica externa, crescente desigualdade social e baixa diversificação econômica sufocando, assim, as promessas e as expectativas de desenvolvimento econômico sustentável e sustentado. Portanto, uma gestão adequada de recursos finitos revela-se crucial, de modo a assegurar para as sociedades atingidas ganhos, no mínimo, que compensem os danos ambientais e sociais, bem como possibilitem a diversificação local/regional da matriz produtiva capaz de reduzir a dependência orçamentária e financeira num futuro previsível.

Vivemos, na atualidade uma conjuntura de queda cíclica no preço internacional do petróleo, como decorrência do ambiente de incerteza produzido pela guerra tarifária imposta pelos EUA às diversas regiões do planeta, e pela desaceleração econômica da economia chinesa, bem como pela própria estratégia da OPEP de gerar, com essa baixa conjuntural, perda de competitividade de fontes energéticas alternativas e de custo mais elevado. Esse pequeno ‘solavanco’ tem efeitos deletérios sobre as finanças públicas da União, dos Estados e dos Municípios classificados como produtores de petróleo, alguns até com uma excessiva dependência dessa fonte de receita para gerir seus orçamentos.

Neste particular, vale ressaltar que alguns pesquisadores identificam que entre os objetivos dos Fundos Soberanos estariam: (1) estabilizar receitas diante da flutuação de preço e quantidade produzida de petróleo; (2) financiar eventuais necessidades de curto prazo, diante de dificuldades de arrecadação dos entes federativos; (3) criação de poupança intergeracional; (4) viabilizar a possibilidade concreta de alcançar maior grau de desenvolvimento regional/local, por meio da formação do investimento em infraestrutura tecnológica; (5) adquirir ativos de alta performance; e (6) fortalecer a condição estratégica do ente federativo União, do ponto de vista da geopolítica internacional. Outros pesquisadores ressaltam, adicionalmente, o papel do Fundo Social na inovação e pesquisa, inclusive realçando o processo de transição sustentável dos influxos de renda, bem como destacando sua finalidade social, mediante sustentação de políticas de bem-estar, como ocorre na Noruega e no Alasca.

Vale destacar as iniciativas de Estados e Municípios brasileiros na instituição de Fundos Soberanos. O FS do Estado do Espírito Santo (importante produtor de petróleo) foi instituído em 2019 e a gestão fica a cargo do Banco de Desenvolvimento Estadual (BANDES), responsável pela seleção dos empreendimentos privados onde os recursos serão investidos e de um agente financeiro, o BANESTES.

Já o Fundo Soberano do estado do Rio de Janeiro, o maior produtor de óleo e gás do país, foi lançado em 2022, com o objetivo de financiar ações estruturantes para o desenvolvimento social e econômico do estado prevendo a formação de uma poupança pública com recursos das indenizações petrolíferas para investir em ciência e tecnologia, saúde, educação, segurança pública e meio ambiente. O informe disponível na página da Secretaria de Fazenda do Governo Estadual, entretanto, revela que entre a intenção e a prática, a situação é controversa. Só no primeiro ano de vigência (2022) foram aportados 2,9 bilhões de reais. Entre janeiro de 2023 e abril de 2025, entretanto, nenhum recuso adicional foi destinado ao Fundo Soberano, talvez pela crescente instabilidade financeira e orçamentária vivida pela segunda maior unidade federativa do país.

No âmbito municipal, Ilhabela – município paulista produtor de petróleo na camada do pré-sal – criou seu Fundo Soberano em 2018, tendo por meta a promoção de investimentos em ativos no Brasil, na forma de aquisição e integralização de cotas de fundos privados.

Já em 2019, surgiram os Fundos Soberanos de Niterói e de Maricá – importantes produtores de petróleo na camada do pré-sal no estado do Rio de Janeiro.

Em síntese, podemos observar que, neste ano de 2025, ainda se revela incipiente o papel efetivo do Fundo Soberano como instrumento de planejamento para a execução de ações estruturantes, visando fortalecer a trajetória de desenvolvimento econômico e social de cidades e regiões, e evitando a chamada “maldição dos recursos naturais”, especificamente no território brasileiro.

Por outro lado, diversos municípios localizados em bacias de exploração de óleo e gás já deixaram para trás seus períodos de elevada extração dessas riquezas, sem alcançar os ganhos potenciais a que poderiam ter chegado em um cenário onde predominasse um melhor arcabouço legal, governança, capacidades institucionais e clareza de objetivos para solidificar uma trajetória de diversificação produtiva, distribuição equitativa da renda e solidez financeira dos entes federativos.

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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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