Na concentração, buxixos e balbúrdias de excitada expectativa. Foram meses de preparação em meio a muita incerteza e desinformação. Mas, agora, a hora do desfile se aproximava. Contavam o tempo em intervalos de 72 horas. Renovando a esperança de botar o bloco na rua a cada notícia alvissareira. E esmaecendo as forças a cada decepção. “Se não foi hoje, será daqui a 72 horas”. E eram 72 horas a mais de buxixos, balbúrdias e performances carnavalescas.

Longe da concentração, os preparativos estavam acelerados como os modernos sambas de enredo. Mas ainda não havia um samba para aquele enredo. Trouxeram uma minuta. Não estava boa. Precisava de mais palavras para encaixar-se naquele confuso enredo. Letra e melodia circularam pelas mãos de outros compositores. Acrescentava-se algo aqui, tirava-se dali para caber na métrica. Ficou um samba meio retalhado, mas era o que dava para fazer com os talentos daquela comunidade. E, afinal, para todos ali mais valia a empolgação dos foliões do que melodia, harmonia ou mesmo evolução.

Mas a escola começou a atravessar o samba ainda na concentração. Num daqueles azares do destino, perdeu-se justamente o carro abre-alas. Estava tudo pronto para abrir o desfile com uma grande e emocionante explosão. Fariam estardalhaço e arrancariam sorrisos de um lado e lágrimas do outro. Seria uma apoteose logo na entrada da avenida. Mas o carro quebrou, as bombas falharam, ficou-se sem o espetáculo de abertura.

Mas era preciso abrir o desfile. E não faltavam dirigentes da escola para ordenar daqui, desordenar dali e pensar em um novo jeito de abrir o desfile. Não demorou para planejarem uma abertura sem carro abre-alas, só com a comissão de frente. Uma comissão enorme. Se não haveria apoteótica explosão, então era preciso impressionar na coreografia da comissão de frente.

Paramentados, finalmente, o desfile inaugurou a si mesmo e ao seu carnaval particular. Colocaram-se pela avenida com os olhares atentos e complacentes de autoridades que, silenciosamente, aplaudiam aquela evolução.

A primeira ala era disforme. Cada um com sua fantasia e performance. Havia os agitadores, os cinegrafistas, os performáticos, os vandalizadores e até os escatológicos. A harmonia ficava por conta das cores da escola, abundantes nas fantasias e adereços.

A segunda ala deveria vir em seguida. Bem diferente da primeira. Todos usariam a mesma fantasia. Desfilaram no mesmo ritmo. Gritariam as mesmas palavras de ordem, em uníssono. Viriam com carros alegóricos barulhentos, fumacentos e destruidores. Seria um arraso o desfile. Apenas seria, porque não vieram.

Foi uma frustração para os que se fantasiaram na comissão de frente. Ficaram sozinhos à frente. Melancólicos como a segunda seguinte ao carnaval. Sua alegria virou cinzas antes da quarta-feira chegar. Choravam, como pierrôs perdidos de suas colombinas e enchiam de lamúrias aquele grande presídio que agora abrigavam mais de mil palhaços em seus salões.

Todo carnaval tem seu fim. Aquele, sequer começou. Mal passou de um desfile de mentiras. Algumas engraçadas, outras, desgraçadas. Mostrariam a necessidade de força ilimitada para conter a bagunça que eles mesmos faziam. Como o nobre militar que dizia ter saído do atoleiro puxando-se pelos cabelos. Ou como o miliciano que vende proteção para proteger dele mesmo.

Por sorte de quem quer sambar de verdade, aquele samba atravessou, o desfile desandou e escola foi rebaixada. Mas não se iludam, ainda hoje, neste carnaval, é possível ouvir os ecos dos sambas daquele triste enredo.

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Ilustração: Mihai Cauli
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