Quem ouve os iranianos comuns?

Por Priscillia Kounkou Hoveyda|2025-07-01T16:06:56-03:0027/06/25|Artigo, Internacional, Política|

O controle sobre as narrativas é constante no Irã, tanto por parte do governo autoritário como de atores estrangeiros. A manipulação espalhou-se das televisões e parabólicas para as redes sociais. Israel dedica-lhe especial atenção há anos.

“Há mais de 30 anos que a República Islâmica nos diz que Israel vai nos bombardear”, diz Mona, entre lágrimas de exaustão e raiva, “e agora que isso está acontecendo, descobrimos que não foi construído um único abrigo para nós, nem foi elaborado um único plano de emergência, enquanto tudo continua a ficar cada vez mais caro! É como se ninguém se importasse com a vida dos iranianos, incluindo o nosso próprio governo!” Na noite anterior, Mona – a minha melhor amiga no meu país natal, cujo nome eu mantenho no anonimato – tinha dirigido durante mais de quatro horas no meio do trânsito intenso para sair de Teerã e chegar a uma pequena vila nos arredores da cidade, onde ela e o seu parceiro acham que os bombardeios serão menos intensos. Na direção oposta da autoestrada, em direção a Teerã: nem um único veículo. Desde o aviso do ministro da Defesa de Israel para evacuar a capital, quase todos estão tentando sair.

Quando Israel começou a fazer uma série de ataques aéreos no dia 13 de junho, na “Operação Leão Ascendente”, o seu primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, afirmou que o objetivo era desmontar o programa nuclear do Irã. Numa mensagem ao “orgulhoso povo do Irã” após os ataques, Netanyahu, como de costume, diz muito mais:

“À medida que alcançamos o nosso objetivo [de impedir a ameaça nuclear e de mísseis balísticos do regime islâmico], também estamos abrindo caminho para que vocês alcancem a sua liberdade… O regime ainda não sabe o que os atingiu, nem o que os atingirá… Nunca esteve tão fraco. Esta é a oportunidade de vocês se levantarem e fazerem ouvir as suas vozes. Mulher, Vida, Liberdade, Zan, Zendegi, Azadi.”

Publicados na página oficial do primeiro-ministro israelita no YouTube, os comentários para o “Tio Benjamin” sobre “Tornar o Irã Grande Novamente” contam-se aos milhares. “Bibi, nós te amamos aqui do Irã e amamos Israel”, diz uma publicação de uma conta chamada DavinBritain.

Não é comum um líder estrangeiro dirigir-se ao povo de outro país, especialmente um que considera o arqui-inimigo do seu próprio país, para pedir, essencialmente, um golpe de Estado, enquanto aproveita um antigo movimento de protesto interno – Mulher, Vida, Liberdade – que começou em setembro de 2022, após a morte de Jina Mahsa Amini quando ela estava sob custódia.

Mas, no Irã, o controle sobre as narrativas iranianas é constante, tanto por parte do governo autoritário, que está obcecado em restringir a liberdade de expressão, de reunião e de opinião dos seus cidadãos – como evidenciado recentemente pelas medidas legais rigorosas e pela resposta repressiva aos protestos de 2022 –, como por parte de atores estrangeiros, que se intrometem nos assuntos internos do Irã com o objetivo de controlar a narrativa do país e, com isso, o seu futuro.

As campanhas apoiadas por forças estrangeiras para desestabilizar o regime governante no Irã, que está no poder desde 1979, na sequência da queda da dinastia Pahlavi, não são novidade. Netanyahu tem vindo apresentar ao público ocidental a sua luta existencial para impedir o programa de enriquecimento nuclear do Irã desde pelo menos 1992, abrindo caminho para a intenção declarada de Israel de derrubar a República Islâmica no Irã.

Na audiência do Congresso dos EUA em 2002 que levou à invasão do Iraque, Netanyahu, então ministro dos Negócios Externos de Israel, já compartilhava a sua obsessão: “É claro que gostaríamos de ver uma mudança de regime – pelo menos eu gostaria – no Irã, assim como gostaria de ver o mesmo no Iraque. A questão agora é uma questão prática. Qual é o melhor lugar para prosseguir? Não é uma questão de se o regime do Iraque deve ser derrubado, mas quando deve ser derrubado. Não é uma questão de se se gostaria de ver uma mudança de regime no Irã, mas como alcançá-la. O Irã tem… 250.000 antenas parabólicas. Tem acesso à Internet.”

Hoje em dia, quando se liga a televisão em qualquer cidade iraniana, os meios de comunicação social estrangeiros de língua persa, que por vezes até fazem reportagens a partir de locais militares críticos como a Domo de Ferro israelita, são onipresentes, lançando sérias dúvidas sobre a independência das narrativas iranianas que estes meios de comunicação estruturam.

Em 2022, quando os iranianos, e mais especificamente as mulheres iranianas, saíram às ruas, a sua corajosa resistência garantiu ganhos importantes – embora frágeis – no seio da sociedade iraniana. Mona, por exemplo, tem desafiado as leis do hijab obrigatório todos os dias desde que foi libertada da prisão em 2023 por participar dos protestos. Muitas outras corajosas mulheres iranianas como ela decidiram andar pelas ruas do país sem hijab, reivindicando o seu direito à autonomia corporal.

Sem interferência externa, a luta dos iranianos por mudanças no Irã tem estado em curso, desafiando a declaração de Netanyahu de que está aqui para “libertar o Irã”.

A manipulação da narrativa espalhou-se das telas de televisão, ou “antenas parabólicas”, para as redes sociais. Apenas um mês antes de Israel iniciar os seus ataques no Irã, muitos iranianos que usam VPN para ter acesso a aplicações de redes sociais como o Instagram viram memes pop-up do aiatolá Khamenei – o “líder supremo” do Irã – a desfazer-se em pedaços, juntamente com a mensagem “A República Islâmica do Irã está na sua fase mais fraca”; o clipe termina com mãos algemadas sendo libertadas e as palavras “a geração livre”.

Hoje, a conta oficial das redes sociais da Força de Defesa de Israel, que começou em 2019 e conta com milhões de seguidores, congrega oficiais da FDI que se expressam em farsi fluentemente sobre as operações militares passadas e em curso no Irã. A conta até celebra o Ano Novo iraniano, Noruz, e evoca a morte de Jina Mahsa Amini, além de ocasionalmente republicar mensagens de Reza Pahlavi, filho do deposto Rei Pahlavi, residente em Los Angeles e um fervoroso apoiador de Israel. É nesta base que a FDI explicou em farsi que “as ações em curso em Teerã são as mesmas que Israel tomou em Gaza e no Líbano”.

Como Mona aludiu, é como se os iranianos estivessem continuamente sendo impedidos de exercer a sua própria ação na luta pela mudança e pela paz. Quer se trate de uma sociedade mais livre ou de uma guerra devastadora, quem está prestando atenção no que pretendem as milhões de Monas no Irã?

No momento da publicação deste artigo, devido a um apagão total da internet, a autora não teve mais notícias de Mona ou de outros amigos próximos e familiares em Teerã.
(Publicado por Esquerda Net, do original de Africa is a Country.)

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Os artigos publicados representam a opinião dos autores e não necessariamente a do Conselho Editorial do Terapia Política

Ilustração: Mihai Cauli Revisão: Celia Bartoni
Leia também “As guerras de Netanyahu e a oposição em Israel”, por Halley Margon.

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