Um balanço a partir das eleições municipais no estado do Rio de Janeiro
Mulheres eleitas no Século XX: Regras eleitorais e avanços moleculares
Em 25 de outubro de 1927, o Rio Grande do Norte aprovou a Lei Estadual 660, permitindo que todos os cidadãos votassem e fossem votados, sem distinção de sexos. O então governador José Augusto Bezerra baseou-se na interpretação da Constituição federal vigente, que não distinguia homens e mulheres no que dizia respeito ao sufrágio, embora os direitos políticos femininos não estivessem oficialmente garantidos em âmbito nacional. Assim, ainda naquele ano a professora Celina Viana requisitou seu título eleitoral e tornou-se a primeira eleitora brasileira.
No ano seguinte, Alzira Soriano, de apenas 32 anos, disputou as eleições municipais em Lajes, tornando-se a primeira prefeita brasileira, antes mesmo de o sufrágio feminino tornar-se um direito no território nacional. De família abastada e tradicional, Alzira era viúva de um promotor de Justiça e filha de um líder político da região. Sua candidatura, sufragada com 60% dos votos válidos, foi apoiada pelo governador do estado e pela líder feminista Bertha Lutz. Na posse, em1º de janeiro de 1929, afirmou que “as conquistas atuais, a evolução que ora se opera, abrem uma clareira no convencionalismo, fazendo ressurgir a nova faceta dos sagrados direitos da mulher”.
Quatro anos depois, o Código Eleitoral de 1932 assegurou o sufrágio feminino e a possibilidade de mulheres serem eleitas em todo o Brasil. Com isso, em 1933, a médica Carlota Pereira tornou-se a primeira deputada federal do país, integrando a Assembleia Nacional Constituinte.
Passados 40 anos, a representação feminina ainda avançava de forma acanhada. Mesmo quando há transformações institucionais importantes, seus impactos são tímidos, pois encontram obstáculos numa sociedade que se estrutura a partir de relações patriarcais entranhadas em nosso tecido valorativo.
Em 1974, havia somente uma mulher no Congresso Nacional (0,2% das vagas). Em 1978, as deputadas representavam 0,8%. Duplicaram nas eleições seguintes, conquistando oito cadeiras (1,6%). Quase 20 anos depois, em 1997, uma esperança de expansão da representação de mulheres na política: a lei eleitoral 9504/97 determinou a reserva de pelo menos 30% das candidaturas dos partidos ou coligações nas eleições proporcionais para os níveis nacional, estadual e municipal.
As esperanças foram frustradas. Não houve uma expansão efetiva, mas estagnação, demonstrando que as barreiras não seriam derrubadas apenas por transformações nas regras eleitorais. Nas eleições seguintes, em 1998, as mulheres ainda ocuparam apenas 5,4% das cadeiras da Câmara dos Deputados, mesma taxa de 1994.
Mulheres eleitas no século XXI e a eleição de 2020 no Brasil
Em 2002, as mulheres representavam 8,3% dos legisladores federais, e em 2006, 8,7%. A Lei 9504/97 estabelecia que, transitoriamente, no pleito de 2008 a reserva de candidaturas femininas deveria ser de 25%. No entanto, naquele ano, as mulheres sequer ocuparam 20% das candidaturas e o contingente de eleitas diminuiu. Em 2009, uma modificação incluída na Lei de Cotas, em decorrência da Reforma Política, estabeleceu que os partidos seriam obrigados a preencher as reservas de cotas mínimas de 30% nas listas para disputar as eleições, ao invés de apenas reservar as vagas. Assim, as candidaturas femininas superaram a taxa de 20% nas eleições de 2010, embora as deputadas federais não tenham ampliado as cadeiras, ocupando ainda 8,7%.
Contudo, nas eleições municipais de 2012 eram mulheres 13,13% dos eleitos. No pleito seguinte, a representação feminina na Câmara dos Deputados passou para 10%. Em 2016 as vereadoras eram 13,5% no país. Dois anos depois, as eleições majoritárias alcançaram uma representação recorde: as mulheres ocuparam 15% das cadeiras da Casa, com 77 deputadas federais. Esse pleito ocorreu em 2018, mesmo ano em que lideranças partidárias femininas e movimentos feministas passaram a tomar medidas mais ofensivas a fim de ampliar sua representação política, conseguindo que o Poder Judiciário interviesse mais uma vez nas regras eleitorais, estabelecendo o repasse mínimo de 30% dos recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do tempo de rádio e televisão para candidaturas femininas. O resultado, todavia, não foi uma explosão do número de mulheres eleitas, mas um novo aumento molecular de 1,5 pontos percentuais (16% das Câmaras municipais).
Conforme levantamento do portal Gênero e Número, em 2020 as mulheres representaram 34% das candidaturas para prefeituras e câmaras municipais – cerca de 180 mil candidatas para ambos os cargos. Em relação à eleição municipal anterior, o aumento de candidaturas femininas para prefeitas foi de somente 0,1% e para vereadoras, 1,3%. No entanto, apesar do crescimento tímido dos números, os mais votados em seis capitais são mulheres e negras no Recife e Porto Alegre – Dani Portela e Karen Santos, ambas do PSol. Em Belo Horizonte elegeu-se uma mulher trans, Duda Salabert (PDT). Num balanço geral, se observa a assimetria entre os estados brasileiros no tocante à eleição de mulheres.
Roraima registrou a maior quantidade de mulheres concorrendo às eleições (35,5%), além do maior aumento de candidaturas femininas em comparação a 2016 (11%). Pernambuco, no entanto, apontou a menor proporção de candidatas, 32%.
Porto Alegre, por sua vez, foi a capital com a maior representatividade feminina eleita, tendo 11 das 36 vagas da Câmara de Vereadores ocupadas por mulheres (30,55%), seguida pela capital mineira, com participação de 28,83%. Em contrapartida, João Pessoa contará com apenas uma vereadora dentre as 27 cadeiras da Câmara, uma participação de apenas 3,7%, menor taxa das capitais brasileiras.
Outro dado de destaque é que as mulheres candidatas nas regiões Norte e Nordeste foram majoritariamente negras, liderando o percentual de registros do país, com 76% e 68%, respectivamente.
Isto posto, a análise do desempenho eleitoral das candidatas pretas no pleito de 2020, em âmbito nacional, demonstra que, dentre as 84.418 postulantes negras às câmaras municipais, apenas 3.634 elegeram-se, representando 6% do total de vereadores do país. Já para o Executivo, apenas seis estados elegeram pretas: Bahia, liderando com quatro prefeitas negras dentre as 52 mulheres eleitas para o cargo (em um estado com 417 municípios); Minas Gerais, com somente uma dentre as 59 eleitas, num estado com 853 cidades; bem como Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Tocantins, que elegeram apenas uma prefeita preta, cada. Já Amapá, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul elegeram apenas prefeitas brancas, enquanto no Amazonas todas eram pardas.
Apesar da sub-representação, o grupo registrou avanços: a mulher mais votada de 2007, com mais de 50 mil votos, foi Erika Hilton (PSol), primeira mulher negra e transexual a ser eleita para a Câmara Municipal de São Paulo. Ainda, mulheres pretas irão ocupar o cargo de vereadoras pela primeira vez na história em Curitiba, com Carol Dartora (PT), terceira mulher mais votada da cidade; em Vitória, com Camila Valadão (PSol), mulher mais votada da capital; e em Cuiabá, que elegeu Edna Sampaio (PT). Além disso, a capital do Rio de Janeiro registrou uma candidata negra como a segunda mulher mais votada na cidade: Tainá de Paula (PT), cuja trajetória será abordada mais detalhadamente adiante.
O desafio da representação de mulheres no estado do Rio de Janeiro
O conceito de representação é polissêmico, incorporando múltiplas definições e dimensões. Até o momento, tratamos somente do que se entende por representação descritiva (Biroli e Miguel, 2015, p. 61), limitada à observação da presença de mulheres na esfera política. Agora incorporaremos a perspectiva da representação substantiva, que diz respeito às ideias e conteúdos representados (Marx et al, 2007, p. 201).
Voltando ao Rio de Janeiro e à eleição de 2020, tencionaremos as duas dimensões do conceito. Dentre os 92 municípios do estado, 31 não elegeram nenhuma vereadora. Isto é, 33,69% das cidades fluminenses terão apenas vereadores homens, como Campos dos Goytacazes, a mais populosa do interior do estado, e Volta Redonda, a terceira maior população do interior e a primeira da região Sul Fluminense. No entanto, há dois municípios que, embora não tenham nenhuma legisladora, elegeram prefeitas pela primeira vez na história: Japeri será administrada por Fernanda Ontiveros (PDT) e Guapimirim, por Marina Rocha (PMB). Em Paracambi, também na Baixada Fluminense, a primeira mulher a chefiar o Executivo é Lucimar do Dr. Flávio (PL), eleita em 2016 e reeleita em 2020. Como ela, outras eleitas utilizam o nome de homens da família na urna, como as vereadoras “Regina do Valtinho” (PP), “Rosângela filha do Ademir” (PSC) e “Pollyanna do Joelcio” (Solidariedade).
A despeito desses avanços moleculares, 30 cidades (32,6%) elegeram uma vereadora. Já 17 municípios elegeram duas legisladoras (18,47%), incluindo Niterói e Belford Roxo, quinta e sexta maiores populações do Rio de Janeiro, respectivamente. Nove cidades (9,78%) contam com três vereadoras nesta nova legislatura, enquanto somente Angra dos Reis, Barra Mansa, Itaperuna e Três Rios elegeram quatro mulheres, o máximo alcançado no interior do estado. A capital terá uma bancada de nove mulheres, representando 17,64% da câmara municipal, um aumento em relação às sete vereadoras da legislatura anterior. Dentre as eleitas, apenas Tainá de Paula (PT) e Monica Benício (PSol), viúva de Marielle Franco, ocuparão um cargo eletivo pela primeira vez.
A análise dos colégios eleitorais da capital fluminense indica que em 63% dos locais de votação da capital as candidatas à vereança receberam menos de 10% dos votos. Não obstante, quando os dados são observados em sua distribuição geográfica, observa-se que as áreas mais abastadas do município, como a Zona Sul, detêm um percentual mais elevado de votos em candidatas mulheres, em comparação com as regiões mais carentes. Usualmente, quando as zonas com menos recursos apresentam um maior indicador de votação em mulheres, os votos são direcionados a apenas uma candidata, com grande influência local. Em contrapartida, nas regiões mais ricas observa-se um leque maior de candidatas bem votadas, o que indica um interesse na representação descritiva (através da eleição de mulheres) e substantiva (através da eleição de candidatas comprometidas com temas concernentes ao papel da mulher na sociedade).
Metodologia
Expandindo o escopo da pesquisa, através da análise dos candidatos do estado do Rio, é possível observar que as candidaturas masculinas são maioria esmagadora nos três cargos disputados. Embora a capital fluminense tenha apresentado uma taxa de 43% de mulheres candidatas em 2020, o restante do estado foi na contramão, com apenas 15,6% de mulheres postulantes ao Executivo. Já dentre os 616 candidatos a vice-prefeitos, apenas 163 (26,46%) eram mulheres. A quantidade aumenta ligeiramente ao observar os postulantes à vereança: 8.626 eram mulheres (34,14%). A despeito desses avanços, sob o prisma da representação descritiva, é inequívoca a sub representação das mulheres e sua dificuldade em entrar no campo político, mesmo diante do fato de 53,8% do eleitorado do estado em 2020 ser feminino, de acordo com o TSE.
Com base nos dados dos candidatos eleitos no Rio, é possível observar que as mulheres ultrapassam 15% dos eleitos somente nos cargos de vice prefeitura. Apenas 12,5% dos chefes de Executivos municipais são mulheres. Este número cai ainda mais nas câmaras municipais: nem 10% das cadeiras são ocupadas por mulheres, mesmo tendo havido mais de 30% de candidaturas femininas.
Das vereadoras eleitas em 2020 no Rio, 83 (71,5%) são brancas. As pardas, 19 legisladoras (16,37%), e as pretas, oito (6,89%). Apenas uma vereadora se autodeclarou amarela e nenhuma, indígena. Cinco vereadoras não informaram sua raça. Esses dados reforçam a conclusão: a sub representação das mulheres negras é um problema ainda mais grave e mais complexo do que a das mulheres em geral.
A idade média das prefeitas eleitas no estado é de 44 anos – a mais jovem tem 31 e a mais velha, 55. Dentre elas, nove são brancas e duas são pardas, o que suscita reflexões acerca da sobreposição de exclusões de gênero e raça.
O Progressistas lidera com três prefeitas eleitas no estado, seguido pelo PL e DEM, com duas cada. Já o PDT, o Solidariedade, o PSD e o PMB possuem uma prefeita cada um.
Legendas tradicionais de esquerda, o PT e o PSol elegeram, respectivamente, seis e três mulheres para as câmaras municipais, enquanto o PCdoB não elegeu nenhuma. As duas primeiras agremiações são historicamente comprometidas com o movimento feminista (Scapini e Cegatti, 2019; Luvisotto e Santos, 2019; Luna e Owsiany, 2019), com um entendimento que almeja uma transformação progressista das relações das mulheres com seus corpos e com a sociedade.
No campo da centro-esquerda, o Solidariedade apresentou os melhores resultados, elegendo nove candidatas, seguido pelo Cidadania, com seis. O PROS elegeu três mulheres, enquanto Avante, PDT e Rede Sustentabilidade elegeram apenas duas cada. Já o PSB, PV e PMB elegeram apenas uma vereadora, cada. Assim, as legendas de esquerda e centro-esquerda, juntas, elegeram 31% das legisladoras dos municípios do estado.
Em contrapartida, os partidos que mais elegeram vereadoras no pleito de 2020 foram PP e PSD, ambos do campo da centro-direita, com 13 eleitas cada. Em seguida, DEM e PL elegeram dez, cada um. Essas quatro legendas elegeram 39,6% das vereadoras. As demais são filiadas também a partidos de direita e centro-direita, com outros 29,3% das cadeiras de câmaras municipais.
Neste espectro ideológico, em comparação com a esquerda, há maior recorrência de discursos e lideranças religiosas, para as quais a oposição ao aborto e a defesa da família tradicional (e da ideia de mulher) tornam-se estratégias centrais na alavancagem das carreiras políticas de candidatos e incumbentes (Machado e Burity, 2014; Machado, 2010). Desse modo, o fato de que 69% das vereadoras fluminenses eleitas pertencem a esse espectro político, enquanto somente 31% das legisladoras são do campo de esquerda e centro-esquerda, nos permite sugerir que, sob o prisma da representação substantiva, a eleição de 2020 consagra a predominância de um ideal de mulher conservador e atrelado ao modelo tradicional de família e de sociedade.
Mulher, um conteúdo ambivalente: breve análise da trajetória de duas vereadoras eleitas
Originalmente, as teorias feministas se estruturaram a partir da problematização das relações de poder na esfera privada – tanto o ambiente familiar quanto o de trabalho, onde se desenvolvem os afetos e a vida particular. Posteriormente, o objeto de análise foi ampliado para todas as situações, instituições e relações de poder que posicionam as mulheres em condição de desvantagem (BIROLI, 2017). Desse modo, as principais pautas do discurso de mulheres progressistas, em sua maioria identificadas com o feminismo, eram fruto da crítica ao poder estatal inserido em um mundo político predominado por homens, que regula as relações de gênero e limita a autonomia feminina até mesmo sobre seus próprios corpos (WALBY, 1990).
A divisão sexual do trabalho na esfera privada, onde tradicionalmente a mulher é responsabilizada pelo serviço doméstico e o homem ocupa-se do trabalho remunerado, priva a população feminina de recursos fundamentais para a participação política, como o tempo (BIROLI, 2017, 193). É importante compreender a conexão entre público e privado, pois as concepções que estabelecem a fronteira entre essas duas esferas limitam o entendimento de que as relações de gênero perpassam todas as esferas da vida, contribuindo para a persistência da marginalização da mulher na sociedade e no exercício pleno da cidadania (BIROLI, 2017, 194). As relações de poder tornam-se ainda mais excludentes quando as desigualdades de classe e de raça são adicionadas ao debate.
O feminismo, enquanto conceito e movimento em favor da transformação/mudança nas relações entre homem e mulher e na própria ideia de família, será entendido na análise dos discursos das vereadoras eleitas, aqui proposto como uma categoria mobilizada positivamente por atores progressistas no tocante à temática de gênero.
Dado o cenário global marcado pelo recrudescimento conservador, o Brasil detém como marco inicial desse processo os protestos de 2013, durante o governo Dilma, originalmente definidos como uma mobilização contra a crise econômica, mas que demarcaram o início de uma intensa instabilidade política no país, que passou a ser acompanhada pela disseminação de um pânico moral que envolvia as recentes conquistas progressistas, que trouxeram avanços especialmente nos campos do gênero e da sexualidade (Payne e Santos, 2020).
À vista disso, as pautas do feminismo que tratam da esfera privada, como direitos sexuais e reprodutivos, tornam-se cada vez mais impopulares em termos eleitorais e as candidatas distanciam-se gradualmente de discursos que abordam esse campo de maneira explícita. Em virtude da impopularidade do tema junto a diferentes setores da população sob o ponto de vista eleitoral, não é estrategicamente interessante que o tema dos direitos sexuais e reprodutivos ocupe a posição de centralidade nos discursos das candidatas e parlamentares progressistas, tendo em vista o risco de desagradar o eleitorado. Deste modo, como salientam Miguel, Biroli e Mariano (2017), as performances destas mulheres têm recaído sobre outras agendas como violência, políticas de ação afirmativa e ampliação do acesso aos direitos sociais (saúde, educação, etc.).
As questões tratadas passam a apontar para as relações de poder nos espaços públicos, com ênfase redistributiva, sobretudo o acesso a direitos. Isto é, as temáticas principais giram em torno da política, da democracia e da justiça – estratégia pragmática, tendo em vista que as desigualdades de gênero não se restringem à esfera privada, estando intrinsecamente conectadas à esfera pública, ao lócus político.
A fim de traçar um paralelo entre os elementos centrais presentes nos discursos de candidatas conservadoras e progressistas, analisaremos os casos das vereadoras Tainá de Paula, eleita na capital pelo PT, e de Deisimar Quaresma Ribeiro, reeleita na câmara municipal de Duque de Caxias pelo PSL.
Tainá de Paula, segunda mulher mais votada na cidade do Rio de Janeiro, nasceu 1983 e foi criada em uma favela da Praça Seca, na zona oeste da capital. É preta, casada, mãe e se define como feminista interseccional. Foi candidata a deputada estadual pelo PCdoB em 2018, porém não foi eleita. De acordo com a agora vereadora petista, a motivação para ter se candidatado foi não se reconhecer nos políticos, que não discutiam a cidade, pensando na representatividade da população, bem como a pouca participação de mulheres na política. Declarou que se decepcionou com a baixa influência feminina dentro dos partidos.
Arquiteta, Tainá é mestre em Urbanismo pela UFRJ, atuando em projetos de habitação popular, como a União de Moradia Popular (UMP), o Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) e o Movimento Bairro a Bairro. É co-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil do Rio de Janeiro (IAB-RJ), integra a Comissão de Gênero do CAU-RJ, coordena o Projeto Brasil Cidades, é conselheira do Centro de Defesa e Direitos Humanos Fundação Bento Rubião e da ONG Rede Nami e representou o Brasil no Fórum Mundial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, na Tunísia.
Embora seja declaradamente feminista, ela tem como principal pauta a defesa da mobilidade urbana e do acesso à cidade. Acredita que a falta de envolvimento da população com a política é reflexo da ausência do Estado, um resultado da perspectiva de indivíduos que nunca viram sua participação ser efetivamente valorizada. Assim, considera que só atingiremos a democracia plena quando a representatividade nos cargos eletivos se tornar prioridade. “É fundamental estabelecer espaços em que possamos discutir com a sociedade a importância de mulheres na política”. A vereadora almeja apresentar projetos que beneficiem mulheres que são mães, visando garantir creches para os filhos e trabalho qualificado para as chefes de família.
Em contraposição ao posicionamento progressista de Tainá, Deisimar Quaresma Ribeiro se descreve como uma mulher conservadora, cristã e de direita. Branca, com ensino superior completo, nasceu em Duque de Caxias em 1970. Escolheu incorporar o nome do pai em sua alcunha política (“Deisi do seu Dino”) e é casada há mais de 20 anos com Marcelo Ferreira Ribeiro, policial militar reformado e deputado estadual em exercício, que adotou como identidade política o nome Marcelo do seu Dino. “Seu Dino” era o apelido do pai da vereadora, falecido em 2007. No ano seguinte, o marido de Deisimar, utilizando-se do apelido do sogro, foi eleito para a Câmara de Vereadores da cidade e, posteriormente, para a Assembleia Legislativa.
Deisi, que até então apenas auxiliava Marcelo em sua carreira política, em 2016 foi eleita vereadora pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC). Atualmente é 2ª vice-presidente da Casa e autora do projeto de lei municipal “Escola sem Partido” – criado em 2004, o movimento luta contra uma doutrinação “esquerdista e marxista” nas escolas que, supostamente, agiriam em conjunto com grupos feministas e LGBTQ+ a fim de eliminar a concepção tradicional de família: heterosexual e patriarcal (Biroli e Caminotti, 2020). Na solenidade que em 2018, atribuiu o título de Duquecaxiense ao então deputado estadual Flávio Bolsonaro, ela afirmou ser defensora da família. Reeleita em 2020, com 1.985 votos, Deisi é declaradamente contra a “ideologia de gênero” e à neutralidade gramática, uma das pautas da população trans. Em seu Twitter noticiou ter protocolado um projeto de lei que proibiria o uso da linguagem neutra em repartições e escolas públicas e particulares do município.
A crítica aos direitos conquistados pelas mulheres e pela população LGBTQ+, embora seja compreendida como um fenômeno global, assume uma particularidade na América Latina: grupos conservadores e religiosos, especialmente católicos e evangélicos, sustentam que a “ideologia de gênero” seria responsável pelos avanços das minorias, ameaçando a ideia tradicional de família e a inquestionabilidade da autoridade paternal (Biroli e Caminotti, 2020). Essa politização do gênero e da sexualidade carrega críticas ao rompimento das fronteiras entre os espaços privados e públicos, propondo um cenário no qual os direitos da família sejam considerados mais importantes do que os direitos individuais. O ponto nodal que une esse grupo é a oposição aos direitos humanos, ao feminismo e à comunidade LGBTQ+ (Biroli, 2019).
Além disso, Deisi afirma ser contra a “velha política”, comemorando com seu marido o indeferimento da candidatura de Washington Reis para a prefeitura. Em suas redes sociais, combate a esquerda em Duque de Caxias. No plano nacional, afirmou-se oposição política ao ex-presidente Lula e contra a reeleição de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre para as presidências da Câmara e do Senado. Deisimar compartilhou uma postagem que afirmava que eles seriam comunistas. Declarou-se ainda contrária ao projeto anti “fake news” e a favor da privatização dos Correios no Brasil.
Já quanto os direitos das mulheres, Deisimar posicionou-se contra a condenação do Padre Lodi, que interrompeu um aborto legal em Goiás, em 2005, que fora concedido pela Justiça devido ao embrião ter a síndrome de Body Stalk, que o impediria de viver fora do útero. O religioso, que requereu à Justiça (e logrou) a interrupção do procedimento de aborto que já estava em andamento, recebeu o apoio da vereadora, que afirmou que ele não poderia ser condenado por “defender a vida”.
Desse modo, com base nas declarações analisadas, é possível perceber que a vereadora faz coro aos principais pontos do discurso conservador: é cristã, a favor da família tradicional, demoniza a esquerda, é contrária ao direito do aborto e aos direitos da população LGBTQ+.
Conclusão
Evidenciamos aqui que as transformações sociais e institucionais pelas quais o país passou ao longo do século XX não foram capazes de produzir mudanças bruscas na expansão de candidatas e incumbentes, que caminham a passos lentos.
No caso fluminense, se sobrepõem as exclusões de sexo, gênero e raça, observando o descompasso entre mulheres brancas e não brancas, cis e não cis eleitas. Além de brancas e escolarizadas, essas mulheres, em sua maioria, são ligadas a partidos de direita ou de centro direita.
Este dado nos permite suscitar uma reflexão acerca do descompasso entre a representação substantiva e descritiva (TREMBLAY, 2007). Diferentemente de agremiações de esquerda – tradicionalmente ligadas a entendimentos progressistas acerca do papel das mulheres na sociedade e na relação com seus corpos -, a filiação a agremiações desvinculadas das pautas reconhecidas como feministas indica o descompasso entre a eleição de mulheres (representação descritiva) e a representação substantiva da agenda feminista. Esse argumento foi reforçado pela análise qualitativa das vereadoras Tainá de Paula e Deisimar Quaresma, cujos entendimentos acerca das relações que compõem o feixe de opressões pelas quais passam quem se identifica com o gênero feminino são radicalmente distintos.
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Sobre o assunto, assista ao vídeo “Eleitas violência e política de gênero”