Robôs e desemprego

  • – Quer mais vinho?
    – Outra garrafa? Por que não?
    – Outra, então. Cadê o garçom?
    – Ele olha para todo canto, menos para aqui.
    – É sempre assim. Como está difícil arranjar gente para trabalhar! Nem pagando mais que os outros você consegue gente boa de trabalho. Não querem saber de trabalhar, de pegar no pesado. Por isso que não vão para frente.
    – Verdade. Tenho o mesmo problema. E para piorar, tem esses programas sociais, que dão dinheiro para as pessoas assim, de graça. Aí é que ninguém quer trabalhar mesmo.
    – Por isso que lá na empresa estamos automatizando tudo. Os robôs são ótimos! Trabalham dia e noite e não reclamam. Fazem mais por menos. Podemos substituí-los por outros melhores quando quisermos sem que ninguém venha nos encher a paciência. Não adoecem. Não ficam aí pedindo estes privilégios que esse pessoal de sindicato chama de direitos. Os robôs, sim, são trabalhadores de verdade!
    – Também vou por este caminho. Mas fico aqui pensando no seguinte. Todo mundo vai automatizar tudo o que puder, para reduzir os custos. E cada vez poderemos automatizar mais coisas graças ao avanço espantoso da robótica e da inteligência artificial. É inevitável. É o futuro. E não há como impedir o futuro. Todos nós vamos produzir mais a custos cada vez mais baixos e colocar no mercado coisas cada vez mais baratas. Mas quem vai comprar, se cada vez todos nós pagamos salários para cada vez menos gente?
    – Gente de outros lugares, ora! Tem muita gente neste mundo. Gente que não é preguiçosa que nem os daqui.
    – Tá, mas o resto do mundo também vai fazer o mesmo que nós, entende? Estamos condenados a fazer mais coisas baratas para menos gente. A conta não fecha. E outra, o que vamos fazer com essa gente? Hoje, o emprego está sobrando porque não querem trabalhar. Mas amanhã, não vai ter como. Eles vão viver como?
    – É por isso que precisamos de leis mais duras. Senão, não temos como viver. Acho até que precisamos de pena de morte mesmo. Com mais policiais livres para fazerem direito o seu trabalho. Sem essa aporrinhação de terem que dar explicação por matar bandido. Veja se faz sentido alguém ser interrogado porque fez o que tinha que fazer! Mas hoje é assim. Está tudo invertido.
    – Precisamos mesmo acabar com essa bandidagem, mas não é só disso que eu estou falando. Minha preocupação é com esse monte de gente pobre que não terá emprego, mas estará por aí. Imagina o problema que é ter tanta gente sem comer! Hoje, as ruas já estão cheias de gente sem casa e sem comida. Imagina isso aumentando. Como nós vamos andar pelas ruas?
    – É. Talvez só a polícia seja pouco. Acho que vamos precisar de um lugar no mundo para mandá-los. Não é assim que fazemos com esse pessoal que vive na rua?
    – Mais ou menos. Existem abrigos, mas eles não são obrigados a ir ou ficar neles.
    – Mas é disso que eu falo. Dessa inversão. Eles têm que ser postos lá à força. E mantidos lá. Os cracudos também. Se tivessem feito isso, não teríamos Cracolândia faz tempo!
    – É. Para vivermos bem o futuro, muita coisa precisa mudar mesmo. Só o que não mudará, são nossos bons valores. Os robôs jamais substituirão nossa humanidade.
    – Jamais! Um brinde. À nossa humanidade!
    – Saúde!… Mas onde está esse maldito garçom?
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli

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