Plantation e o neoliberalismo no Brasil

A tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453, ao interromper as antigas rotas da seda pelo Mediterrâneo, abriu novo caminho para as grandes navegações que nos séculos XV a XVII reconectaram a Eurásia pelo oceano Atlântico. Por força disso, o continente americano foi “descoberto” e integrado à Europa pelo Sistema Colonial Mercantil.

Plantation foi a denominação adotada para se referir ao sentido da colonização europeia imposta pelo processo de exploração no interior do continente americano. Ancoradas no uso do trabalho escravo, a produção e a exportação de commodities tropicais da época ganharam escala externa assentada em latifúndios monocultores exclusivos para a metrópole.

Uma espécie de cadeia global de valor dos produtos primários se constituiu na forma de plantation, integrando três grandes continentes, pelo menos. Enquanto a África fornecia a mão de obra escrava trazida pelo tráfico negreiro, inicialmente por navios da Europa, a América se especializava na produção em latifúndios de monoculturas extrativas para atender ao mercado organizado pelo colonialismo Europeu.

A partir do século XIX, com a substituição do sistema colonial mercantil pelo novo funcionamento da economia do mundo centrado no Reino Unido, a antiga forma plantation foi integrada ao capitalismo. Com isso, deu-se o movimento geral de difusão do mercado de trabalho assalariado no continente americano que, ao suceder o uso do trabalho escravo, concedeu espaço para a incorporação da mão de obra sobrante da Europa através da massificação do movimento migratório em direção ao Novo Mundo.

Assim, o estoque da força de trabalho herdada do escravismo terminou sendo deslocada das oportunidades de participar do núcleo orgânico de produção e emprego assalariado voltado à exportação, pois foi ocupado, muitas vezes, por mão de obra preferencialmente imigrante. O caso do Brasil é inegável, com a segunda fase da plantation atendendo ao sistema centro-periferia inglês, exportador de bens manufaturados em troca da importação de commodities tropicais da época.

A decadência do Reino Unido a partir da primeira Guerra Mundial (1914-1918) explicitou a desorganização da economia do mundo capitalista. As disputas entre Estados Unidos e Alemanha, os protagonistas da segunda Revolução Industrial e Tecnológica, deram espaço para que vários países se afastassem do sistema de plantation.

O Brasil, entre outras nações latino-americanas, buscou conduzir a sua economia em direção à sociedade urbana e industrial centrada na produção e emprego de sua mão de obra nacional, o que permitiu integrar e fortalecer o mercado interno. Da saída progressista da grande Depressão de 1929 ao ingresso passivo e subordinado na globalização em 1990, o país mudou a sua inserção na Divisão Internacional do Trabalho, passando do comércio externo centrado em produtos primários para produtor e exportador de bens manufaturados.

Com a onda regressiva trazida pelo neoliberalismo, os avanços alcançados no passado do projeto nacional desenvolvimentista transformam-se rapidamente em memória e peças de museu. A presença do Brasil nas atuais cadeias globais de valor da Era Digital denuncia o retrocesso percebido pela volta do sistema plantation.

Em sua terceira fase, a organização da produção e do trabalho na forma plantation que se estende na terceira década do século XXI traz à tona um futuro em que o Brasil tem um longo passado a conviver. O arcaico enquanto projeto do governo Bolsonaro se expressa no fortalecimento do racismo, machismo, assassinato de indígenas e líderes populares, queimadas e devastação ambiental.

Nada mais atual do que a tragédia do passado sendo revelada novamente pelo presente. Em plena modernidade trazida pela Era Digital, o Brasil retoma uma nova fase do sistema plantation pela continuidade do receituário neoliberal.

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