Será que o sistema de votação da Bola de Ouro reflete realmente o mérito dos jogadores em campo? A derrota de Vini Jr. levanta essa dúvida.
Embora Vini Jr., craque da seleção brasileira e do Real Madrid, amplamente reconhecido por seu talento e ativismo antirracista, fosse o favorito ao prêmio, a Bola de Ouro foi concedida ao volante do Manchester City, o madrilenho Rodri. Neste artigo, argumento que esse resultado se deve ao método de votação utilizado e apresento métodos alternativos que poderiam refletir de forma mais justa o desempenho dos jogadores.
O prêmio Bola de Ouro é concedido por um júri internacional de jornalistas especializados, com um representante de cada país entre os 100 primeiros no ranking da FIFA para o prêmio masculino e dos 50 primeiros para o feminino. Os jornalistas selecionam 10 jogadores, em ordem de mérito, de uma lista de 30 indicados pela revista francesa France Football, que organiza a competição. Os jogadores recebem pontos de acordo com a posição nas listas: 15, 12, 10, 8, 7, 5, 4, 3, 2 e 1 ponto, respectivamente. O atleta com mais pontos vence, e empates são resolvidos pela quantidade de votos em primeiro lugar.
Esse método faz parte da família de métodos de pontuação que são derivados do Sistema de Borda, criado pelo matemático francês Jean-Charles de Borda, no século XVIII. Nesse sistema, cada candidato recebe uma pontuação com base em sua posição na lista de preferência de cada votante. O número de pontos varia conforme o total de candidatos; por exemplo, em uma disputa com 5 candidatos, o primeiro lugar recebe 5 pontos, o segundo 4, e assim por diante, até o último, que recebe 1 ponto.
Métodos de pontuação são amplamente utilizados em premiações, mas são especialmente vulneráveis a efeitos de “spoiler” quando existem grupos de candidatos semelhantes competindo. Segundo Vincent Garcia, editor-chefe da France Football, esse fator pode ter contribuído para a derrota de Vini Jr.: “Evidentemente. Vinicius certamente sofreu com a presença de Bellingham (Real Madrid) e Carvajal (Real Madrid) no top 5, pois, matematicamente, isso lhe tirou alguns pontos. Isso também reflete a temporada do Real Madrid, com três ou quatro jogadores na disputa, fazendo com que os jurados dividissem suas escolhas, beneficiando Rodri.” (O Globo, 29/10/2024)”.
O que ele quis dizer é que por haver outros dois fortes candidatos do time de Vini Jr. entre os 30 indicados, isso pode ter prejudicado o jogador brasileiro, ao dividir as preferências dos jurados que valorizaram as conquistas do Real Madrid em 2023.
Outro ponto crítico dos métodos é a vulnerabilidade à manipulação estratégica dos eleitores. Alguns deles, por discordarem do ativismo antirracista de Vini Jr., podem ter ignorado seus méritos e tê-lo colocado em posições mais baixas com a intenção de prejudicá-lo.
O leitor deve estar se perguntando qual seria a solução para esse tipo de problema. Contudo, segundo o teorema de Gibbard-Satterthwaite, não existe um método de votação que seja completamente à prova de estratégias e possua boas propriedades simultaneamente. Esse teorema é um marco na Teoria da Escolha Social, comprovado de forma independente pelo filósofo Allan Gibbard em 1973 e pelo economista Mark Satterthwaite em 1975.
Apesar dessa limitação, existem métodos mais resistentes à manipulação estratégica, como aqueles baseados na mediana das notas dos eleitores mais alta em vez da média ou do somatório, no sentido de que minimizam a parcela do eleitorado com incentivo para não revelar sua opinião sincera. Por exemplo, se algum jurado atribuir uma nota muito discrepante — seja muito baixa ou muito alta — o valor mediano permanece estável, proporcionando uma avaliação mais equilibrada e representativa.
Um exemplo proeminente desse tipo de método é o de Julgamento por Maioria (Majority Judgment), proposto por Michel Balinski e Rida Laraki. No excelente livro Majority Judgment: Measuring, Ranking, and Electing, publicado em 2011, os autores defendem seu método e apresentam os bons resultados encontrados em um experimento de campo realizado na eleição presidencial da França de 2007. Nesse sistema, os eleitores avaliam quantos candidatos desejarem, utilizando uma escala de notas. Os autores sugerem as opções “Excelente, Muito Bom, Bom, Aceitável, Ruim ou Rejeitar”. O candidato com a maior nota mediana é declarado vencedor.
No meu artigo Eleições Municipais mais Representativas pelo Voto por Aprovação, defendi que o método de votação por aprovação poderia ser testado em um experimento de campo nas eleições para prefeitos no Brasil. Nesse método, os eleitores apenas registram os candidatos que aprovam, e o mais aprovado é o vencedor.
No artigo Majority Judgment vs. Approval Voting, publicado em 2020, Balinski e Laraki argumentam que o método de julgamento por maioria é superior ao de votação por aprovação, pois este último não permite que os eleitores expressem a intensidade de suas preferências pelos candidatos, restringindo-se a indicar aprovação ou reprovação. Por outro lado, o método de Balinski e Laraki é mais complexo e possui outras limitações.
Portanto, ambos os métodos têm suas imperfeições. Isso reforça a necessidade de repensarmos nossos sistemas de votação, não apenas em eleições para cargos executivos ou em premiações esportivas, mas também em contextos mais amplos, como a seleção de candidatos para vagas de emprego nas empresas ou a escolha de reitores universitários, tema abordado em meu artigo Escolha por Lista Tríplice nas Universidades Federais.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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