Durante anos a fio, o Sistema Único de Saúde foi alvo de ataques e campanhas de difamação, incentivados pelos defensores do Estado Mínimo e dos grupos interessados na privatização da saúde. Precisou surgir no país uma pandemia da dimensão da Covid-19 para que se compreendesse a importância do SUS para os brasileiros, especialmente para os mais pobres. Não se pode imaginar o que estaria acontecendo se, além da ação dos negacionistas e do boicote aos protocolos da Organização Mundial da Saúde, liderado pelo próprio presidente Bolsonaro, não contássemos com o SUS para atender à população e, no caso presente, reduzir o impacto da catástrofe que se abate sobre nós. Veja-se o caso dos Estados Unidos, que não dispõe de um sistema de atendimento universal, onde a tragédia do coronavírus tem sido devastadora sobre as populações excluídas dos planos de saúde privada.

Qualquer programa de vacinação contra a Covid-19 que seja implantado no país, e já estamos bastante atrasados neste aspecto, deve realizar-se obrigatoriamente no âmbito do Sistema Único de Saúde. É a única forma de garantir a universalidade do acesso, sem privilégios. Em todos os países afetados pela pandemia, o papel da saúde pública ganha relevância, e no Brasil não é diferente. Não contássemos com o SUS, a tragédia do coronavírus seria muito mais grave do que tem sido. Mesmo os que combatiam o SUS hoje reconhecem que o sistema público é imprescindível, apesar dos golpes que ainda sofre, como a brutal redução de recursos determinada PEC 241, que retirou mais de R$ 22 bilhões da saúde em quatro anos, a extinção do programa Mais Médicos, a redução das equipes do Programa de Saúde da Família, entre várias outras medidas.

Por isso, causa preocupação o anúncio de que clínicas privadas negociam a importação de 5 milhões de doses de vacinas em desenvolvimento na Índia pelo laboratório Bharat Biotech. Além de profundamente injusta, a vacinação pela rede privada aumentaria as desigualdades sociais na saúde, protegeria apenas uma parcela privilegiada, inviabilizaria o controle e traria impactos negativos, como o prolongamento da circulação do vírus na população. A mercantilização da vacina não será tolerada por um Brasil que luta pela vida, por um país mais justo e solidário.

O Brasil dispõe de um Programa Nacional de Imunização (PNI) vinculado ao SUS, que é referência mundial no combate a epidemias. Em 2010, por exemplo, 80 milhões de brasileiros foram vacinados em apenas três meses contra a pandemia do vírus H1N1 (influenza), o maior número de pessoas imunizadas em todo o mundo. Contudo, nas ações de enfrentamento à pandemia do coronavírus, o PNI é praticamente ignorado.

Na situação atual em que o Brasil é o segundo país com maior número de mortes pela Covid-19, somente o SUS poderá assegurar a vacinação de toda a população brasileira obedecendo critérios epidemiológicos e de vulnerabilidade social. O Brasil já está atrasado em relação a outros países na aquisição de vacinas, mesmo que laboratórios do país desenvolvam acordos relacionados à pesquisa com empresas já estabelecidas como a Sinovac e a AstraZeneca. Laboratórios importantes, como é o caso da Pfizer, já fornecem milhões de vacinas para outros países, de modo que novas encomendas só seriam viáveis a partir do segundo semestre.

No momento em que todas as nações se mobilizam para proteger suas populações, animadas com a descoberta de vacinas desenvolvidas por vários laboratórios científicos, recém agora, diante da pressão de amplos setores da sociedade, o governo apresenta um esboço de plano de vacinação, o qual já foi contestado pelos próprios pesquisadores que assessoram o governo. Eles contestam que não leram a versão final, enquanto em quase 50 países a vacinação já vem acontecendo e abre uma perspectiva de esperança e superação desta situação terrível em que vive a humanidade. Por mais que a sociedade cobre, inclusive com intervenção de parlamentares e instâncias do Poder Judiciário, o governo permanece imobilizado.

A demora nas decisões, a vacilação na compra de insumos de biossegurança como seringas e agulhas, a ausência de critérios básicos de logística são problemas indesculpáveis.

Para combater a pandemia da Covid-19, contamos apenas com o esforço gigantesco e pouco reconhecido pelos órgãos oficiais dos profissionais da saúde que arriscam a própria vida, enfrentam situações extremas de cansaço e estresse, trabalham além do limite aceitável.

Na contramão deste esforço heroico dos profissionais de saúde, temos visto a postura negacionista das autoridades de flexibilização dos processos de proteção social, a começar pelo presidente da República, que sabota os procedimentos normais, como o uso de máscara e evitar aglomerações, justamente no momento em que crescem de maneira incontrolável os números de mortes e contaminações.

Portanto, além do reconhecimento do SUS como ferramenta de proteção à saúde, o país precisa urgentemente encontrar formas de recompor sua capacidade de investimento para qualificar o atendimento. Na nossa visão, a partir de mudanças tributárias, como a taxação de grandes fortunas, a volta do imposto de renda sobre lucros e dividendos e dos juros e dividendos do sistema financeiro, é que poderemos dotar o Sistema Único de Saúde para enfrentar a pandemia e, no momento seguinte, qualificar o atendimento universal e integral em todas as regiões do país.