Ilustração de Mihai Cauli a partir da capa original..

Territorialidades, políticas e sustentabilidade

Agenda e questões contemporâneas (Org.  Diná Andrade Lima Ramos e Denise de Alcantara Pereira)

Resenha

O que mais há na terra, é paisagem.

A edição deste livro é muito bem-vinda, pois comemora os dez anos de atividade do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas, da melhor e mais genuína forma que poderia ser feita; mostrando parte significativa da produção multifacetada nos variados temas e abordagens ao longo dessa década que merece mesmo uma avaliação de conjunto. O que se destaca é a busca das conexões do território em seus âmbitos urbano e regional com a elaboração e aplicação de políticas públicas (ou de sua ausência, o que também é uma opção) em questões socioambientais e econômicas. Nas primeiras linhas do romance de José Saramago, Levantado do chão (Bertrand Brasil, 2008), ali está escrito: “O que mais há na terra, é paisagem. Por muito que do resto lhe falte, a paisagem sempre sobrou, abundância que só por milagre infatigável se explica, porquanto a paisagem é sem dúvida anterior ao homem, e apesar disso, de tanto existir, não se acabou ainda. Será porque constantemente muda: tem épocas no ano que o chão é verde, outras amarelo, e depois castanho ou negro. E também vermelho, em lugares que é cor de barro ou sangue sangrado. Mas isso depende do que no chão se plantou e cultiva, ou ainda não, ou não já, ou do que por simples natureza nasceu, sem mão de gente, e só vem a morrer porque chegou o seu último fim. Não é tal o caso do trigo, que ainda com alguma vida é cortado. Nem do sobreiro, que vivíssimo, embora por sua gravidade o não pareça, se lhe arranca a pele. Aos gritos”. Na prosa poética de Saramago está posto de forma sutil e bela, o que demarca a fronteira da pura paisagem, “sem a mão de gente” com algo a mais, o território, este sim, marcado pelos seres humanos que ali vivem com suas relações de cooperação e conflito. Por isso tomei emprestada essa primeira frase do romance de Saramago, pois é a partir daí que reside o desafio maior de nosso trabalho, produzir conhecimento socialmente útil aplicado a problemas e soluções propositivas na múltipla e complexa paisagem dos territórios que nos rodeiam. Nessa nossa primeira década, isso implicou em compromissos, no melhor sentido da palavra, com abordagens interdisciplinares trabalhando num esforço organizado em duas linhas de pesquisa: 1. Desenvolvimento e políticas públicas e 2. Sustentabilidade e Territorialidades. Dessa forma, as distintas formações acadêmicas do corpo docente funcionaram como um DNA aliado às motivações de cada um de nós e foi potencializada no trabalho conjunto com nossos mestrandos. A interdisciplinaridade não é algo que se declara simplesmente como um procedimento metodológico que escolhemos e alcançamos, mas, principalmente, como algo que se busca e pratica por variados caminhos nada triviais. No vasto campo das Ciências Sociais Aplicadas, ao iniciarmos um projeto de pesquisa e alinharmos as perspectivas, nos deparamos com uma dúvida básica: por onde começar? Certamente o contexto, as referências históricas, conceituais e metodológicas devem ser levadas em conta. Entretanto, uma vez depurada essa carpintaria teórica em seu aspecto mais substantivo, é no território e nas pessoas que vivem lá que deve estar essa argamassa da pesquisa. Do contrário, a aderência e qualidade da pesquisa estarão comprometidas. Isso deriva de uma questão básica: em tese e vistos de longe os fenômenos sociais são mais fáceis de entender. Só que, ao nos aproximamos de suas gêneses e dinâmicas, outras complexidades se impõem. A teoria é absolutamente fundamental, mas não basta. O campo a ser conhecido e analisado é o desafio suplementar. Em A moral secreta dos economistas (Unesp, 2001), Albert Hirschman acentua a necessidade de “ouvir o paciente” e atribui a essa frequente lacuna o motivo principal de muito da prática do planejamento regional não atingir seus objetivos. Tentando ser didático: a economia é de mercado, mas a sociedade não. Portanto, os contingentes humanos, seja em que escala for, devem ser considerados para além de uma totalidade ou apenas como um mercado. As carências e a falta de acesso à moradia, segurança, trabalho, saúde e transporte são variadas e muito frequentes no Brasil. Há um caminho de soluções em que a Universidade tem um papel fundamental e a gestão do território em particular, tem uma linha de elaboração que poderia e deveria ser mais acionada, mas a questão dessa defasagem é de natureza política, o que condiciona soluções técnicas mais efetivas ou não, referentes ao interesse público. A mobilidade urbana, por exemplo; nossa Região Metropolitana do Rio de Janeiro foi se adensando intensamente, assim como tantas outras no Brasil, sem que houvesse uma resposta adequada quanto aos transportes de massa, seja no fortalecimento de sua malha ferroviária, assim como na utilização da Baía da Guanabara como alternativa de transporte hidroviário, com terminais em São Gonçalo, e também mais ao fundo da Baía da Guanabara. Essas infraestruturas têm um papel evidente para aliviar o tráfego rodoviário no movimento pendular casa-trabalho e são soluções técnicas que existem e estão disponíveis. Mas na escala local dos municípios os lobbies dos transportes e do mercado imobiliário são o poder real que, ao contrário do poder público, não vão a votos e de certa forma estão sempre no poder. Entretanto, nosso parceiro privilegiado é a sociedade e suas articulações com a base material e imaterial da economia e o poder público. Os textos apresentados têm como eixo o desenvolvimento territorial sustentável em diferentes escalas espaciais. Há também o tema das inovações e a busca por maior eficiência e tecnologias sociais, pois ao contrário do que se diz frequentemente, nossos problemas não derivam do custo do trabalho, mas das desigualdades e da ausência de um engajamento mais efetivo na educação, na ciência e nas tecnologias voltadas para os fundamentos estruturais e sociais, no sentido de uma economia sustentável que privilegia a produção, o emprego e o bem-estar social. A intenção desse conjunto de textos é, portanto, dar a conhecer de forma mais ágil a natureza do trabalho que vimos realizando desses dez anos e que a leitura, críticas e discussões, sirvam de estímulo para que façamos mais e melhor nessa produção acadêmica coletiva que vem se fazendo no esforço de cada um, mas que somados na interlocução, cria sinergias. Tenho prazer e alegria em ter participado da criação do PPGDT e destes primeiros anos que agora comemoramos. (Publicado originalmente como prefácio do livro)

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